A IDÉIA DE UM DIREITO AMAZÔNICO
Um de meus assistentes de pesquisa, o acadêmico de direito Frederico Matias Honório Feliciano, certa feita questionou como teria sido idealizado o direito amazônico. Demonstrei ao jovem pesquisador que o processo de criação cultural é fruto da compreensão do contexto social numa dimensão geográfica, considerando a sedimentação histórica de determinado grupo social.
Em verdade, falar de direito amazônico é falar da Amazônia, é falar de minha vida, principalmente no que tange a minha infância e adolescência que passei pensando e falando nos rios, furos, paranás, igarapés, florestas e nos campos do meu Marajó; aprendendo a lidar com a natureza e dela retirando ensinamentos fundamentais para minha existência.
Direito Amazônico é um sonho de “caboco” (na Amazônia caboclo é coisa de dicionário).
Talvez por ter nascido no centrão do Marajó, aquela ilha de quase 50.000km² na “boca” do rio Amazonas, tenha trazido imenso sentimento pelas pessoas e coisas da Amazônia. Fomos para cidade grande (no caso Belém) porque minha mãe convenceu ao meu pai que queria que seus filhos fossem sabidos (já éramos cinco, a mais velha com oito anos de idade).
No ano de 1977, quando trabalhei como técnico em estradas no Departamento de Estradas de Rodagem do Estado do Pará, no trecho que liga a localidade de Barro Branco às margens do rio Capim, no município de Castanhal, fiquei “marcado” com uma cena estarrecedora: ao chegar ao trecho havia uma densa floresta margeando o caminho da futura rodovia; após quatro meses, presenciando imensos incêndios na mata, deixei o “campo” com a lembrança de grandes derrubadas e um vazio na floresta à beira da estrada – o vazio permanece em minhas lembranças.
Durante o curso de direito tive a oportunidade de trabalhar com o advogado Camillo Montenegro Duarte que, em conversa inicial, em outubro de 1979, quis saber sobre a área jurídica de minha preferência. De forma até pretensiosa falei em direito agrário e direito ambiental. Trabalhei na área agrária.
Motivado pela experiência no trato com o direito do agro, em maio de 1981 participei, em Belém, do 1º Encontro Internacional de Jus-Agraristas, oportunidade em que vi grandes agraristas nacionais e estrangeiros. Lembro bem de Corredor, Sanz Jarque, Otto Morales Benitez, Raymundo Laranjeira, Octavio Mello Alvarenga, Fernando Pereira Sodero, Mecias Junqueira, Paulo Torminn Borges.
Aproveitando o momento, já em agosto daquele ano, iniciei o Curso de Especialização em Direito Agrário, na Faculdade de Direito, da Universidade Federal de Goiás, sob a coordenação do professor Paulo Torminn. Fui, mas deixei registrado que iria voltar, para aplicar na Amazônia os conhecimentos adquiridos. Os empresários franceses e suíços, para quem prestava assessoria, não acreditaram muito em minha aventura acadêmica, porém, destacaram a importância da questão ambiental no contexto amazônico. Durante o curso de especialização procurei desenvolver alguns estudos direcionados à realidade da região: Reforma Agrária: conceito e métodos (1º semestre de 1982); Ecologia - Conservação dos recursos naturais renováveis (2º semestre de 1982).
Ao retornar para Belém tive a chance de trabalhar com o doutor Benedicto Monteiro, na Procuradoria Geral do Estado do Pará, quando fui coordenador geral da Defensoria Pública. O trabalho social foi intenso na defesa do débil econômico. Visitei quase todos os municípios do Estado, para organizar a Defensoria, estruturar sindicatos de trabalhadores (especialmente rurais), conhecer in loco a problemática fundiária, com destaque à região sul do Estado, em Marabá.
Quando realizei o mestrado, novamente na Universidade Federal de Goiás, aprofundei meus estudos sobre a questão fundiária na Amazônia, com o foco no sul do Pará. Transformei em jurídico as pesquisas sociológicas existentes, especialmente de Otávio Ianni e José de Souza Martins, e escrevi o livro A figura jurídica do posseiro, lançado em maio de 1988, por ocasião do V Seminário Nacional de Direito Agrária, que coordenei. Depois escrevi minha dissertação sob o tema O instituto jurídico da posse agrária, lançada em forma de livro em abril de 1992. Em maio de 1989 havia lançado o livro Teoria de direito agrário, fruto de anotações para ministrar a disciplina direito agrário, no Curso Oficial de Preparação de Juizes, da Escola Superior da Magistratura do Estado do Pará.
Durante o Curso de Extensão em Direito Agrário em Belém, no mês de novembro de 1988, para advogados do Instituto de Terras do Pará (ITERPA) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), além de outros interessados, um advogado indagou sobre a peculiaridade da questão indígena em Roraima. Confesso que duvidei das afirmações do profissional, mostrando que a questão indígena na Amazônia, e de resto no Brasil, deveria receber o mesmo tratamento, tanto no Pará como em Roraima.
As dúvidas do advogado Juscelino K. Pereira sobre os índios de Roraima, justo é registrar, levaram-me a expor a questão ao professor Raymundo Laranjeira que sugeriu um estudo da questão indígena por mim, considerando haver nascido na Amazônia. Conversando com outros amigos agraristas, especialmente com José dos Santos Pereira Braga, de Manaus, e, Roman José Duque Corredor, da Venezuela, eles me incentivaram em pesquisar o tema em Roraima, destacando a boa condição da cidade de Boa Vista e a boa perspectiva de pesquisa.
Cheguei à Terra de Macunaima em novembro de 1991, para tomar posse como juiz de direito. No início do ano seguinte (fevereiro 1992) assumi como professor-assistente de Direito da Universidade Federal de Roraima (UFRR), onde, imediatamente, formei um grupo de pesquisa com acadêmicos (Adelaid Pereira, César Gonella, Sued Almeirda, Vick Mature e Vivaldo Barbosa), para pesquisar a questão indígena em Roraima sob a ótica jurídica. Andanças pelos lavrados (os campos gerais de um Lobo D’Almada), serras, florestas, deram boa visão desse pedaço da Amazônia. Mais de oitenta malocas foram visitadas (wapixana, taurepang, ingaricó, macuxi), em busca dos elementos nativos na formação étnica de um povo. O resultado da pesquisa consta em dois livros: um jurídico, publicado em setembro de 1994 (O direito e o índio), e, um com pretensão histórica, publicado em julho de 2002 (historiando a terra de Macunaima – a questão indígena).
Naquele mesmo ano de 1994 fui convidado pelo amigo Hélio Roberto Novoa da Costa para proferir conferência sob o tema O direito agrário e a questão ambiental no Seminário Internacional de Direito Agrário e Política de Terras – 30 Anos do Estatuto da Terra, promovido pelo INCRA e, realizado em Recife (PE), no período de 30 de novembro a 02 de dezembro. Ser amazônida e estudioso do direito agrário, por certo, foi a razão do convite. O tema do Seminário propiciou atualizar a pesquisa que havia realizado em 1982, em face da Política Nacional Ambiental implantada no País, e a nova Constituição brasileira de 1988. Durante o Seminário houve o incentivo de vários colegas agraristas para publicação do trabalho apresentado. Somente no início do segundo semestre de 1995 decidi convidar cinco acadêmicos de Direito da UFRR (Emerson Medeiros, Halisson Alex Bezerra Barreto, Janaína Debastiani, Michele Miranda de Albuquerque e Rárison Tataíra), para realizarmos uma pesquisa sobre a questão ambiental numa visão jurídica. Seria mais uma experiência de iniciação à pesquisa objetiva com acadêmicos de Direito, no verdadeiro sentido globalizante da educação, com estudo, extensão e pesquisa. O trabalho resultante da pesquisa foi vencedor do “Prêmio para o Meio Ambiente ‘Buriti da Amazônia’, categoria Trabalho Literário – 1996”, posteriormente, em 2003, o livro foi publicado com o título Direito agrário e ambiental.
Os estudos direcionados à realidade amazônica, que até então vinha realizando, foram maximizados com a pesquisa que fiz sobre o Pacto Amazônico, em 1995, para proferir palestra no 1º Encontro das Assembléias Legislativas da Região Amazônica, na cidade de Rio Branco (AC), no dia 1º de setembro. Os temas do Tratado refletem as necessidades mais imediatas da região, a exigir tratamento jurídico especializado.
Nesse momento despertei para idéia e resolvi denominar o conhecimento na área jurídica pertinente a Amazônia de direito amazônico. Seria a sistematização jurídica regional, pertinente à realidade amazônica. Imaginei, com a audácia peculiar, uma classificação jurídica mais realista que um direito público ou um direito privado. Interpretar e aplicar o direito de acordo com o contexto regional.
Em verdade, todo conhecimento adquirido durante minha formação intelectual, procurei contextualizar no universo amazônico, no fazimento de um direito amazônico.
Em maio de 1998 apresentei ao departamento de direito da UFRR um projeto de curso de especialização em direito amazônico onde procuro estabelecer as disciplinas pertinentes à nova sistematização jurídica: direito ambiental; direito agrário; direito indígena; direito mineral; direito da navegação (fluvial); direito do comércio exterior; direito comunitário; e, estudos de problemas regionais.
Durante o VII Congresso Mundial de Direito Agrário, promovido pela Unione Mondiale degli Agraristi Universitari, nas cidades de Pisa e Siena, na Itália, no período de 5 a 9 de novembro de 2002, após proferir palestra sobre A casa de farinha como atividade agroindustrial típica da Amazõnia, onde faço referências a um direito amazônico, o professor Duque Corredor, da Venezuela, e, o professor Santos Dito, do Equador, convenceram-me a realizar um encontro jurídico de direito amazônico, na Amazônia, para discutir o tema.
Ao assumir a presidência da Academia Brasileira de Letras Agrárias, em dezembro de 2002, adotei como principal projeto, naquele período, a promoção de um Congresso sobre Direito Amazônico. Seria a forma de construir o estado da arte do direito amazônico e discutir temas pertinentes à realidade da região.
É isso aí!
Terra de Macunaima (Boa Vista – Roraima, Amazônia - Brasil);
em junho de 2005.
Prof. MSc. Alcir Gursen De Miranda
Presidente da Academia
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