Os estudos direcionados à realidade amazônica são maximizados com o Pacto Amazônico, considerando-se que os temas do Tratado refletem as necessidades mais imediatas da região, a exigir tratamento jurídico especializado: direito ecológico; direito agrário; direito indígena; direito minerário; direito da navegação (fluvial); direito do comércio exterior; e, direito comunitário. Dai a denominação direito amazônico. Interpretar e aplicar o direito de acordo com o contexto regional.

quarta-feira, junho 22, 2005

Segurança Alimentar na Amazônia

III SEMINARIO INTERNACIONAL DE DERECHO AGRARIO

Santa Cruz (Bolivia) / 08 a 11 de junho de 2005





Promoção
TRIBUNAL AGRARIO NACIONAL DA BOLIVIA







Conferencista: Prof. MSc. Gursen De Miranda
Especialista e Mestre em Direito Agrário.
Professor da Universidade Federal de Roraima (Amazônia - Brasil).
Presidente da Academia Brasileira de Letras Agrárias.
Membro da Associação Brasileira de Direito Agrário.
Membro da União Mundial de Agraristas Universitários.
Juiz de Direito do Estado de Roraima (Amazônia – Brasil).
Autor de vários livros sobre Direito e Amazônia.







Tema – SEGURANÇA DO ALIMENTO. A PRODUÇÃO AGROINDUSTRIAL TÍPICA DA AMAZÔNIA: A CASA DE FARINHA









SEGURANÇA DO ALIMENTO. A PRODUÇÃO AGROINDUSTRIAL TÍPICA NA AMAZÔNIA: A CASA DE FARINHA
Gursen De Miranda



SUMÁRIO

Saudação. Prólogo. I – Escolha do Tema: A Amazônia e a Cultura da Selva Tropical. II – Situando o Tema. 2.1. A atividade agrária e a realidade amazônica. 2.2. O trabalhador rural típico da Amazônia. 2.3. O extrativismo como atividade peculiar. 2.4. A agroindústria como atividade especial. III – Desenvolvendo o Tema. 3.1. Uma visão pan-amazônica. 3.2. Os grandes planos de desenvolvimento e a produção agrária. 3.3. A segurança da produção agrária em observância à peculiaridade regional. 3.4. A cultura da mandioca como elemento garantidor da segurança alimentar na Amazônia. 3.5. A Casa de Farinha como uma atividade agroindustrial típica da Amazônia. IV – À Guisa de Conclusão: A lenda da Mani. V – Referências bibliográficas.



SAUDAÇÃO

Pessoal

Com fraternal carinho e amizade saúdo o Prof. Hugo Bejarano Torrejón, incansável na organização deste III Seminario Internacional de Derecho Agrario que se realiza na aconchegante cidade de Santa Cruz.

Institucional

Saudar aqueles que fazem o Tribunal Agrario Nacional da Bolivia a nos acolher durante este evento é mais que agradecer.

Científico

Por fim, saúdo todos os participantes deste III Seminario Internacional de Derecho Agrario, na pessoa ....










PRÓLOGO

“Vida no Pará,
vida de descanso.
Comer de arremesso
Dormir de balanço.”

O ditado criado pelo frei João de São José, em 1762, reflete bem o povo e o modus vivendi na Amazônia, onde a vida é de tranqüilidade, sem stress; comer de arremesso a famosa farinha do Pará, dormir de balanço nas redes indígenas amazônicas.


I – ESCOLHA DO TEMA

A AMAZÔNIA E A CULTURA DA SELVA TROPICAL

Essa história de globalização no âmbito agrário, com produtos híbridos e transgênicos e outras coisas de gente muita sabida, com o só objetivo do lucro mais fácil no âmbito agrário, faz volver aos primórdios da Amazônia.
Quando os europeus chegaram ao vale amazônico, em torno de 1.500, a região já era habitada por uma grande população, com civilização sedimentada, conhecida como Cultura da Selva Tropical.
As civilizações amazônicas marcaram sua existência com grandes realizações. Construíram enormes complexos defensivos, organizados povoados e locais de culto, canais e lagos, para viabilizar as comunicações fluviais. Há 2.000 anos havia na Amazônia sociedades perfeitamente hierarquizadas, densamente povoadas, em pleno desenvolvimento, localizadas, principalmente, ao longo das margens do rio Amazonas. As características mais marcantes dessas sociedades podem ser destacadas pelo fato de serem comandadas por um guerreiro (tuxaua), cidades com 20.000 a 50.000 habitantes, recebiam tributos dos súditos, contavam com numerosa força de trabalho, inclusive de escravos.
Os europeus também encontraram na Amazônia a mandioca, cultivada há muitos milênios pelos índios e usada na produção de vários tipos de comidas e de bebidas. A base econômica da região era a lavoura da mandioca com a qual é produzida a farinha. A mandioca (manihot esculenta Crantz) é uma cultura de origem sul-americana, tendo como centro a Amazônia brasileira; é a mais antiga planta cultivada no Brasil.
Registram os estudiosos que, provavelmente, os povos na Amazônia baseavam sua economia na plantação de raízes como a mandioca, que já vinha sendo cultivada desde pelo menos 5.000 a.C., conforme provas encontradas no vale do rio Orenoco, na Venezuela. Daí a afirmação que a introdução do cultivo da mandioca na várzea, durante o primeiro milênio a.C., foi o fator decisivo para fixação do homem na Amazônia.
A Cultura da Selva Tropical - em um mesmo patamar do Padrão Caribenho e do Padrão Andino - seria, assim, a cultura da mandioca.
A segurança na produção de alimentos na Amazônia, portanto, passa pelo apoio e incentivo à lavoura da mandioca, na produção da farinha, principal fonte de alimento do povo da Amazônia. É a forma real e efetiva de garantir o acesso ao alimento, indispensável para erradicar a fome na região.
A fome, lamentável e melancolicamente, ainda é um grave problema no mundo de hoje, principalmente na Ásia, na África e também na América Latina, a manchar com fortes cores da escuridão os chamados países do primeiro mundo.
Como bom “caboco”, do centrão da Ilha de Marajó, pelo menos uma vez por semana tomo mingau de farinha na casa de meus pais, tomei muito chibé (farinha com água) acompanhando um camarão ou um peixe salgado, um charque, tudo assado na brasa, sempre lembro do bolinho doce de farinha que minha mãe fritava à tarde para merendarmos, meu pai, com o ar de seus 85 anos de idade, todos os dias, após o almoço, ainda bebia uma boa cuia de açaí com farinha. Tenho certeza que os italianos, se conhecessem, colocariam farinha do Pará no macarrão – é uma delícia.
Justifica-se, assim, a oportuna escolha do tema: a produção agroindustrial típica da Amazônia e a segurança do alimento – a casa de farinha.


II – SITUANDO O TEMA

2.1. A ATIVIDADE AGRÁRIA E A REALIDADE AMAZÔNICA

Dos ensinamentos de um Carrozza e de um Carrera, passando por um Corredor, e de tantos outros grandes agraristas, a atividade agrária consiste essencialmente na ação humana intencionalmente dirigida a produzir – prioritariamente alimentos - com a participação ativa da natureza e a conservar as fontes produtivas naturais. Nessa linha, a lavoura (agricultura), atividade agrária por excelência, incluindo-se o reflorestamento (silvicultura), a criação de animais domésticos (pecuária, envolvendo animais de grande e médio porte), a hortifrutigranjearia (verduras, legumes, frutas, animais de pequeno porte), o extrativismo (animal e vegetal).
O ambiente amazônico, por certo, impõe sejam observados locais com vocação específica para produção agrária. A Amazônia não é apenas florestas. Lá existem vastos campos naturais na parte leste da Ilha de Marajó, no Amapá, no baixo rio Amazonas, em Roraima, com vocação natural para pecuária, a área de várzea, com seus depósitos sazonais de fertilizantes naturais, sempre foram básicos no suprimento de alimentos com a lavoura da mandioca e do milho, as delimitadas áreas de extrativismo de “drogas do sertão”, bastante conhecidas na Europa, a imensa floresta com seu potencial genético e sua biodiversidade, o manancial de água potável.
O desenvolvimento da Amazônia, por outro lado, é uma exigência natural daquele povo, observando-se, é bem verdade, as peculiaridades da região. Recebendo um preço justo pelo que oferece ao resto do mundo, especialmente o conhecimento dos povos nativos sobre suas plantas, raízes, cascas, e o que pode receber por sua água doce, seria um caminho para garantir o bem estar da gente amazônica.
Ademais, não é possível pensar em destruir a floresta amazônica com o só objetivo da exploração de sua madeira de lei para abastecer os mercados dos países europeus e dos Estados Unidos, ou da exploração agropecuária. Existe caminho para a garantia de alimento daquela gente e de desenvolvimento sustentável, com o apoio às atividades milenares na produção de alimento na região, como é o caso da lavoura da mandioca, para produção de farinha.


2.2. O TRABALHOR RURAL TÍPICO DA AMAZÕNIA

O típico caboclo amazônico vive às margens dos rios, igarapés, furos e paranás, totalmente alheio ao sistema jurídico vigente e desconhece o regime de propriedade privada do capitalismo selvagem em que se vive. Para esse trabalhador rural o importante é estar à beira do rio de onde tira seu alimento e serve de via de acesso à cidade, numa zona bem delimitada de terra extrai o açaí para beber e, numa área mais alta, cultiva um roçado de mandioca para obter a farinha, o que completa sua alimentação. A caça é feita somente quando o peixe não vem, quando o rio está panema. O extrativismo é a sua atividade “econômica” principal, pois, em alguns casos, existe o artesanato rústico com seus paneiros, abanos e coisas mais. A terra como terra não tem nenhum valor; o importante é o que a natureza produz sobre essa terra.
Certamente, na Amazônia, também existem os trabalhadores rurais, com características da modernidade, chegados pela necessidade, nas diversas levas de migrantes e pela esperança para os “grandes projetos”.


2.3. O EXTRATIVISMO COMO ATIVIDADE PECULIAR

O extrativismo agrário, na obtenção de fruto agropecuário, para alimentação ou matéria-prima, por muito tempo predominou na Amazônia. Desde a chegada dos europeus na região, sempre procuraram extrair os seus produtos naturais, conhecidos como “drogas do sertão”.
São produtos extrativáveis, dentre muitos, a castanha-do-pará, o açaí, o guaraná, a borracha, e outros tipos de vegetais tóxicos, medicinais e alimentícios, madeiras produtoras de resinas e ceras, plantas tanantes e propiciadoras de fibras e gomas, demais árvores madeireiras ou oleaginosas. O extrativismo envolve ainda a captura, caça (na terra e no ar) e a pesca.
O certo é que, até nos dias atuais, quando se fala em Amazônia, pensa-se apenas em extrativismo, na exploração da floresta. Não por acaso o inusitado interesse por sua biodiversidade e pelo seu potencial genético, com a constante “biopirataria” por agentes travestidos de cientistas.


2.4. A AGROINDUSTRIA COMO ATIVIDADE ESPECIAL

Há o entendimento que a atividade agroindustrial é a atividade agrária de processamento dos produtos agropecuários, exercida em imóvel rural pelo próprio produtor, como necessário complemento de sua atividade agrária produtiva. Nesse sentido, o processamento envolve a industria, com a conservação dos produtos, a transformação, a armazenagem, a secagem, a moagem, etc.
Ademais, a agroindústria proporciona meio efetivo para fixação do homem ao campo, agrega valor ao produto agrícola, utiliza tecnologia e equipamentos que independem do setor externo, por isso, é considerada como um dos principais alicerces de uma política nacional de desenvolvimento rural. A agroindústria, assim, é um dos mais dinâmicos segmentos da economia, com parcela significativa das exportações de qualquer país, liderando a geração de empregos e de números de estabelecimentos industriais. Acrescente-se que os efeitos multiplicadores dos investimentos na atividade industrial são altamente expressivos, haja vista que poucas atividades econômicas apresentam índices comparativos, neste particular.
Com efeito, quando se estuda a Amazônia, principalmente os que estão distantes da região, não se consegue vislumbrar uma atividade agroindustrial nativa daquele povo. Necessário, portanto, destacar os elementos do cotidiano amazônico, para que se possa entender a produção de farinha, como um processo agroindustrial.
É o homem do campo quem planta mandioca, colhe e transporta até a casa de farinha, quem transforma a raiz da mandioca em farinha. Farinha que é a base alimentar do povo amazônico.
É um processo agroindustrial simples, exercido há milhares de anos na Amazônia.


III – DESENVOLVENDO DO TEMA

3.1. UMA VISÃO PANAMAZÕNICA

A Amazônia, sob qualquer enfoque, deve ser entendida numa visão geopolítica, envolvendo os vários países amazônicos (Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Equador, Brasil), na chamada Pan-Amazônia.
A problemática e os interesses regionais comuns dos vários países amazônicos fez realidade o Tratado de Cooperação Amazônica ou Pacto Amazônico, de 03 de julho de 1978. O Pacto é um Tratado Inter-Regional de Cooperação Econômico-Social, tendo como fundamento a cooperação, o desenvolvimento, o respeito à soberania e a preservação ambiental. Inicialmente previsto para ser um organismo de integração (político-econômico), o Pacto tornou realidade um programa de cooperação (econômico-social).
Nesse sentido, o território amazônico envolve as áreas da bacia amazônica e as regiões que, embora fora da Bacia, apresentam características amazônicas, como é o caso da Guiana, do Suriname e da Guiana Francesa.
À toda evidência, portanto, a segurança do alimento na Amazônia deve observar a visão pan-amazônica, até porquê, a lavoura da mandioca não é privilégio da Amazônia brasileira.


3.2. OS GRANDES PROJETOS E PLANOS DE DESENVOLVIMENTO NA AMAZÔNIA E A PRODUÇÃO AGRÁRIA

A Amazônia, desde quando se tornou conhecida dos europeus, vem sofrendo todo tipo de saque e interesses. Muitos projetos foram feitos para dominação da região, desde o famoso El Dorado e a cidade de Manoa até a recente declaração que “a Amazônia é patrimônio da humanidade”. A Amazônia brasileira, importante é repisar, é do povo brasileiro que soube preserva-la – mais de 88% da floresta amazônica continua intacta.
Os grandes projetos existentes na Amazônia não se preocupam com a produção de alimentos para os amazônidas. Os projetos do órgão oficial de desenvolvimento da Amazônia sempre priorizaram os mega empreendimentos da pecuária, o projeto Carajás e os grandes projetos minerais. Quando há algum interesse agrícola é com o só objetivo de exportação.
O certo é que não existe, no Brasil, uma política atuante direcionada aos interesses regionais, preocupada com a produção de alimentos para o povo amazônico. Mais, ainda, não há interesses em incentivar a lavoura da mandioca e a produção de farinha na região, apesar de sua importância na alimentação daquela gente.
Os organismos internacionais, na mesma linha, ficam mais preocupados com os bichinhos e as plantinhas da Amazônia, atentos a sua biodiversidade e ao seu potencial genético, e abstraem as pessoas lá nascidas e criadas, com sua necessidade de alimentação.


3.3. A SEGURANÇA DA PRODUÇÃO AGRÁRIA EM OBSERVÂNCIA A PECULIARIDADE REGIONAL

Conforme foi estabelecido no Congresso Mundial sobre Alimentação, realizado em Roma, no período de 13 a 17 de novembro de 1996, “existe segurança alimentar quando todas as pessoas têm à sua disposição, em todo momento, acesso físico e econômico a alimentos suficientes, inofensivos e nutritivos, para satisfazer suas necessidades alimentares e suas preferências em relação aos alimentos a fim de levar uma vida ativa e sã”.
Acrescente-se que a FAO (Food and Agriculture Organization - Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) possui um Programa Especial de Segurança Alimentar que prioriza a atenção e assistência aos países que são insuficientes na produção de alimentos e baixa produtividade.
Certamente, não se pode querer impor novos “países de groselhas” aos povos em desenvolvimento, nem querer apenas o cultivo das espécies nativas do hemisfério norte, para aumentar a oferta de alcachofra, sementes de girassol, avelã e nozes. Não se deve esquecer que a utilização dos recursos vegetais dos povos da floresta tropical fez com que a agricultura moderna fosse mais diversificada e de alta produtividade. Sem a utilização da roda ou animais de tração, àquele povo descobriu e domesticou mais da metade dos sete grãos alimentícios correntemente comercializados no mundo de hoje, além de parte substancial dos produtos agrícolas das prateleiras dos supermercados, como o milho, a batata doce, o tomate, o amendoim, a pimenta, o chocolate, a baunilha, o abacaxi, o mamão, o maracujá, o abacate, a macaxeira e a mandioca.
Aliás, conforme dados da Organização, de 1998, a cultura da mandioca desempenha uma elevada importância social como principal fonte de carbohidratos para mais de 700 milhões de pessoas, essencialmente nos países em desenvolvimento. A área cultivada com mandioca no mundo é de mais de 16,32 milhões de hectares nas mais diversas regiões.


3.4. A CULTURA DA MANDIOCA COMO ELEMENTO GARANTIDOR DA SEGURANÇA ALIMENTAR NA AMAZÔNIA

A mandioca tem larga utilização, facilidade de cultivo e adaptação, por isso, certamente, constitui um dos principais alimentos energéticos para milhões de pessoas no mundo, sobretudo nos países em desenvolvimento, onde é cultivada em pequenas áreas com baixo nível tecnológico.
Mais de 80 países produzem mandioca, sendo que o Brasil participa com mais de 15% da produção mundial. É cultivada em todos os estados brasileiros, situando-se entre os nove primeiros produtos agrícolas do País em termos de área cultivada e o sexto em valor de produção.
O cultivo da mandioca no Brasil é feito, na sua quase totalidade, em sistemas de cultivos associados, devido à predominância de pequenas propriedades que requerem um uso mais intenso dos recursos escassos, representados pelo capital e mão-de-obra.
O sistema de cultivo consorciado é amplamente utilizado pelos pequenos agricultores. Dentre as espécies cultivadas em associação, a mandioca aparece como uma das mais utilizadas, principalmente quando plantada simultaneamente com milho, feijão e amendoim. Estas são plantadas nos espaços livres deixados pelas fileiras duplas, sem causar prejuízo ao cultivo da mandioca e proporcionando lucro maior ao homem do campo.
No aspecto agro-econômico, além da destacada importância na alimentação humana e animal, as raízes de mandioca são utilizadas como matéria-prima em inúmeros produtos industriais.
A cultura da mandioca é uma das mais importantes fontes de carboidratos para os consumidores de renda mais baixa em países tropicais da América Latina. A mandioca é produzida principalmente por produtores de pequeno porte, em sistemas de produção complexos, com pouco ou nenhum uso de tecnologia moderna, especialmente agro-químicos.
A parte aérea da mandioca pode ser consumida pelos animais na forma in natura, sob forma de silagem, feno ou peletizada, pura ou misturada com outros alimentos.
A mandioca apresenta potencialidades para participar de outros mercados alternativos. O amido (independente de sua origem) é tradicionalmente empregado na indústria alimentícia, metalúrgica, mineração, construção, cosméticos, farmacêutica, papel e papelão, têxtil etc.
O amido pode sofrer modificações físicas, químicas ou enzimáticas, dando-lhe características próprias para aplicações industriais especificas: polvilho doce, polvilho azedo, amidos modificados, amido pré-gelatinizado, amido modificado por ácidos, amido fosfatado, amido oxidado por hipocloreto de sódio, amido intercruzado ou amido com ligação cruzada, glicose e xarope de glicose.
No Brasil o uso de amidos e féculas modificados é recente e restrito.
A mandioca na alimentação animal pode ser utilizada fresca, seca ao sol sob a forma de raspa da raiz, feno de ramas e ensilada. Como é um produto que se deteriora rapidamente após a colheita, seu uso na forma de raspa e silagem são os mais eficientes, uma vez que têm a vantagem de concentrar os principais nutritivos e são de fácil armazenamento.
Tradicionalmente a produção de mandioca da Amazônia e da região Nordeste do Brasil é orientada para produção de farinha, alimento básico daquela gente.
Apesar de toda potencialidade da mandioca, como importante alternativa no combate a fome que mata milhões de pessoas no mundo todos os dias, pouco é o interesse dos organismos oficiais na pesquisa dessa cultura típica da Amazônia.
No Brasil, somente há cinco anos a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) criou o Centro Nacional de Pesquisa de Mandioca e Fruticultura Tropical, mas com base no município de Cruz das Almas, no Estado da Bahia, fora da região amazônica.
Coube a um pesquisador egípcio, naturalizado brasileiro, agrônomo e PhD em genética, no início da década de 80, percorrer o interior brasileiro, coletar em torno de quarenta diferentes espécies silvestres de mandioca e desenvolver uma nova espécie com 4% de proteínas, frente ao 1,5% aproximado de variedades comuns, maior produtividade e baixo teor de ácido cianídrico.
A criação do pesquisador, no entanto, não recebeu a devida atenção do governo e dos produtores brasileiros, mas de diversos governos da “mama” África como Gana, Camarões e Congo que adotaram a nova variedade de mandioca como base de sua alimentação, complementada por outras fontes de proteínas. Para alguns Países da África as descobertas são um fator revolucionário na dieta. A Nigéria foi o país que mais investiu e melhor utilizou o potencial da descoberta e hoje é a maior produtora mundial da raiz, com cerca de 24 milhões de toneladas produzidas a cada ano, superando o Brasil que produz cerca de 22 milhões de toneladas.
O certo é que a cultura da mandioca ajuda vários países africanos a combater a fome em seus territórios.
Acredita-se, por evidente, na cultura da mandioca como elemento garantidor da segurança alimentar na Amazônia.


3.5. A CASA DE FARINHA COMO ATIVIDADE AGROINDUSTRIAL TÍPICA DA AMAZÕNIA

O produto da mandioca mais importante para o povo da Amazônia é a farinha, produzida na região em um complexo agroindustrial chamado de Casa de Farinha.
A Casa de Farinha é o complexo industrial de transformação da mandioca em farinha, mais que milenar na Amazônia.
Nos dias atuais, apesar de toda tecnologia, na maior parte da Amazônia a mandioca ainda é plantada por métodos primitivos envolvendo a queimada, transportada da roça para casa de farinha em jamaxim, prensada em tipiti, peneirada em peneiras de fibras, torradas em fornos de barro, acondicionadas em alguidares, comercializadas em sacos de sarrapilheira.
As industrias de processamento de farinha – as chamadas casas de farinha – são próprias (individuais, às vezes com objetivos empresariais), ou comunitárias.
É bem verdade que atualmente existe orientação técnica - e não apenas o conhecimento empírico dos nativos - sobre o processo de produção, os equipamentos requeridos, o dimensionamento, e os requisitos de localização e construção civil, incluindo outros dados técnicos e econômicos necessários.
De maneira geral, pode-se dizer que a produção da farinha envolve as fases seguintes: descascamento e lavagem da mandioca; repinicagem (após a lavagem, faz-se um repasse manual, para limpá-las e para eliminar os pedaços de caules remanescentes e as partes amassadas); ralação das raízes; prensagem da massa ralada; esfarelamento da massa ralada; torração; trituração da farinha; peneiragem e classificação da farinha; acondicionamento da farinha.
A farinha de mandioca constitui a forma mais ampla de aproveitamento da mandioca para uso na alimentação humana. É consumida em todo Brasil, sendo na Amazônia e no Nordeste brasileiro, a principal fonte de energia. O consumo per capita alcança 55,9 kg/ano.
Registre-se, portanto, que a farinha é a principal forma de utilização de mandioca no Brasil, atingindo índices superiores a 90% fabricados e comercializados. São as farinhas torradas, farinha de mesa e farinha d’água, com predomínio da primeira e, em nível local, a farinha do Pará que consiste na mistura das massas das duas anteriores. Há ainda a farinha de raspa, proveniente de raiz seca, sem passar por cozimento, que já foi muito utilizada como farinha panificável até início da década dos anos 70, mas atualmente o seu principal uso é na composição de rações.
As farinhas de mandioca que passam por torrefação tais como farinha seca, farinha d’água ou farinha do Pará, são geralmente utilizadas no consumo direto à mesa, enquanto que as farinhas provenientes de raízes secas como farinha de raspa ou farinha de apara tem fins mais diversificados, como farinha alimentícia panificável, destinando-se também para massas (biscoitos, macarrões e similares) em misturas com a farinha de trigo.
A farinha pode ainda ser usada na composição de rações, de lama aquosa na mineração do petróleo, na produção de álcool, indústria de papel (preparo da massa e recobrimento da superfície), industria têxtil (para evitar encolhimento de tecido), produção de adesivos e de agentes ligantes, na indústria de fundições.
Portanto, a casa de farinha, como atividade agroindustrial típica da Amazônia, precisa de apoio e investimento, para garantir com segurança o principal alimento daquela gente.


IV – À GUISA DE CONCLUSÃO

A LENDA DE MANI

Uma lenda indígena relata que no princípio dos tempos na Amazônia havia um sério problema de alimento para o povo e a filha de um tuxaua engravidou sem contato com homem. O tuxaua não acreditou na história da filha e ficou muito bravo, era um filho sem pai, era mais uma boca para comer.
Passando o tempo, em sonho, o tuxaua recebeu a visita de um homem branco atestando a inocência da cunhã. Meses depois nasceu uma linda indiazinha bem branquinha e recebeu o nome de Mani. Mani passou a ser a alegria da tribo, mas, um ano depois, morreu repentinamente, sem doença nem dor.
Para surpresa de todos, do túmulo de Mani brotou um arbusto novo, que fez a terra fender. Os índios cavaram e retiraram grossas raízes, brancas como o corpo da indiazinha, e todos comeram aquelas raízes satisfazendo a fome do povo.
E a planta que saciou a fome do povo da Amazônia ficou conhecida como Mani-oca (mandioca), que significa “casa de Mani”.

Acreditem. Não é demais repisar: O ser humano é o valor maior na natureza.
Na Amazônia existem seres pensantes.

Muito obrigado.







V - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BORGES, Paulo Torminn. Institutos básicos do direito agrário, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 1991.
CARRERA, Rodolfo Ricardo. Derecho agrario para el desarrollo, Buenos Aires, Depalma, 1978.
CARROZZA, Antonio. Problemi generali e profili di qualificazione del diritto agrario, Milano, Giuffré, 1975.
DE MIRANDA, Alcir Gursen (org. et. itii). Direito agrário na Constituição, RJ: Forense, 2005.
----------. Direito amazônico: construindo o estado da arte, Boa Vista (RR): Academia Brasileira de Letras Agrárias / Instituto Gursen De Miranda, 2004.
----------. Área indígena Raposa / Serra do Sol: visão regional, Boa Vista (RR): GTE/RR, 2004.
----------. Perfil territorial do Estado de Roraima, Boa Vista (RR): GTE/RR, 2003.
DE MIRANDA, Alcir Gursen. Direito agrário e ambiental, RJ: Forense, 2003.
----------. historiando a terra de Macunaima – a questão indígena, Boa Vista (RR): Faculdade Atual / Instituto Gursen De Miranda, 2002.
----------. O direito e o índio, Belém (PA): Cejup/Ihgerr, 1994.
----------. O instituto jurídico da posse agrária, Belém (PA): Cejup, 1992.
----------. Teoria de direito agrário, Belém (PA): Cejup, 1989.
----------. A figura jurídica do posseiro, Belém (PA): Cejup, 1988.
LARANJEIRA, Raymundo Propedêutica do direito agrário, 2ª ed., São Paulo: LTr, 1981.
MATTOS, P. L. P. de; GOMES, J. de C. (Coordenação). O cultivo da mandioca, Cruz das Almas, BA: Embrapa Mandioca e Fruticultura, 2000.
MOREIRA, Eidorfe. Amazônia – conceito e paisagem, Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA), 1958.
SCHWENGBER, Dalton Roberto & SABOYA, Rita de Cássia Cunha. Mandioca: alternativa para pequenos e grandes produtores, jornal Folha de Boa Vista, 14 de setembro de 2002, p. 02.
SILVA, Carlos Arthur Barbosa da (Coordenação). Produção da farinha de mandioca, Brasília: Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária / Secretaria do Desenvolvimento Rural, 1995.
VIVANCO, Antonino C.. Teoria de derecho agrario, La Plata, Ediciones Libreria Juridica, 1962 (2v).
ZELEDÓN ZELEDÓN, Ricardo et itt. Derecho agrario del futuro, San José (Costa Rica): Guayacán, 2000.

##########

III SEMINARIO INTERNACIONAL DE DERECHO AGRARIO
Santa Cruz (Bolivia), 8 a 11 de junho de 2005

Alcir Gursen De Miranda
Amazônia – Brasil
gursen@tj.rr.gov.br
##########