Os estudos direcionados à realidade amazônica são maximizados com o Pacto Amazônico, considerando-se que os temas do Tratado refletem as necessidades mais imediatas da região, a exigir tratamento jurídico especializado: direito ecológico; direito agrário; direito indígena; direito minerário; direito da navegação (fluvial); direito do comércio exterior; e, direito comunitário. Dai a denominação direito amazônico. Interpretar e aplicar o direito de acordo com o contexto regional.

segunda-feira, setembro 12, 2005

FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO

FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO

Gursen De Miranda*


Somente com a Constituição de 1934 o ordenamento jurídico brasileiro proibio o exercício da propriedade “contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar” (art. 113, XVII). A Carta de 1937 foi tímida em relação a propriedade “cujo conteúdo e seus limites serão definidos nas leis que lhe regularem o exercício” (art. 122, XIV). Com a Constituição de 1946 houve avanços ao consagrar que o “uso da propriedade será condicionado ao bem estar social” (art. 147). Não houve, é bem verdade, a consagração da expressão função social da propriedade, o que ocorreu com a Carta de 1967, e com a Emenda nº 1, de 1969 (art. 160, III), mantendo o princípio, mas sem definir seus limites e abrangência: “a propriedade atenderá sua função social”.

É a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, que consagra definitivamente a matéria no inciso XXIII, do artigo 5º, como garantia fundamental (dever do proprietário; de aplicação imediata – art. 5º, § 1º; cláusula pétrea – art. 60, § 4º, IV; dever irevogável), no inciso III, do artigo 170, como princípio da ordem econômica e financeira, no § 2º, do artigo 182, como política urbana, e no parágrafo único, do artigo 185, e artigo 186, como política agrária.

A novidade trazida pelo Constituinte de 88 é a função legitimadora do artigo 5º, inciso XXIII, para que o proprietário destine aproveitamento adequado a sua propriedade, diferente da função autorizativa, das demais disposições constitucionais, para intervenção administrativa na propriedade. A regra jurídica constitucional não é meramente programática.

Nessa linha, o estudo, a interpretação e a aplicação da legislação infraconstitucional, recepcionada pela nova ordem jurídica constitucional, no que se refere à propriedade e, igualmente à posse, deve observar o cumprimento da função social.

Por outro lado, o Constituinte brasileiro foi objetivo ao garantir o direito de propriedade, na forma do inciso XXII, do artigo 5º, para que se evite, sob o pretexto da socialização, a extinção da propriedade privada. Inclusive, garantiu o direito à indenização no caso de desapropriação (CF: art. 5º, XXIV).

Nos limites da propriedade imobiliária rural, o ordenamento jurídico brasileiro traz o conceito de função social da propriedade, nos termos constitucionais:

“Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I – aproveitamento racional e adequado;

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.


Nessa linha, a doutrina afirma que o conteúdo social e econômico da propriedade contemporânea transborda os limites do direito civil tradicional.

O certo é que a Constituição Federal, dentre os direitos e garantias fundamentais, impõe que “a propriedade atenderá a sua função social” (CF: art. 5º, XXIII). Não é uma faculdade, é uma obrigação de todos os proprietários, ou seja, quem é proprietário deve cumprir a função social.

Foi o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964), porém, que primeiro trouxe o conceito de função social da propriedade no direito brasileiro, a teor do § 1º, do artigo 2º, reproduzido pela Constituição de 1988, apenas alterando a ordem, mas, com a exigência de ser simultenea.

O caput do artigo 2º traz um direito sob condições ao dispor que “é assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social”. Registro que o Estatuto da Terra, no seu artigo 12, impõe que “à propriedade privada da terra cabe intrinsecamente uma função social e seu uso é condicionado ao bem-estar coletivo”.

A Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 (Lei de Reforma Agrária), que regulamenta e disciplina disposições relativas à reforma agrária, prevista no capítulo III, do título VII, da Constituição Federal, por óbvio, no artigo 9º, trata da matéria, reproduzindo, na sua inteireza, a redação do artigo 186, da Constituição Federal.

É oportuno destacar, conforme dispõe a alínea b, do § 2º, do artigo 2º, do Estatuto da Terra, que “é dever do Poder Público zelar para que a propriedade da terra desempenhe sua função social, estimulando planos para a sua racional utilização, promovendo a justa remuneração e o acesso do trabalhador aos benefícios do aumento da produtividade e ao bem-estar coletivo”.