Os estudos direcionados à realidade amazônica são maximizados com o Pacto Amazônico, considerando-se que os temas do Tratado refletem as necessidades mais imediatas da região, a exigir tratamento jurídico especializado: direito ecológico; direito agrário; direito indígena; direito minerário; direito da navegação (fluvial); direito do comércio exterior; e, direito comunitário. Dai a denominação direito amazônico. Interpretar e aplicar o direito de acordo com o contexto regional.

segunda-feira, outubro 11, 2010

Direitos culturais - Canadá

Direitos culturais: a experiência canadense e o direito amazônico

Gursen De Miranda[1]



A participação que tive no I Congresso Internacional da Associação dos Magistrados Brasileiros – 2010, realizado no Canadá, nas cidades de Toronto, Montreal e Ottawa, no período de 07 a 17 de setembro, impõe satisfação à sociedade de meu Estado, para além de magistrado como cidadão, afinal é o povo de Roraima que paga o salário que recebo (equivalente a metade do salário de um juiz canadense).

Certamente, a temática central do evento – o sistema judicial canadense – permitiu ampliar a compreensão sobre o jurídico mais próximo em nossa região, que chamo Direito Amazônico, nomeadamente as palestras proferidas pelo juiz Robert Sharpe, da Corte de Apelação de Ontário – Carta de Direitos e a Common Law –, pela juíza France Kitely e pelo juiz Frank Marrocco, ambos da Corte de Justiça de Ontário – Julgando numa sociedade multiétnica – e pelo juiz Michel Robert, presidente da Corte de Apelação de Quebec – A Corte de Apelação de Quebec e seu papel diferenciado no Canadá.

Abstraindo do bijuralismo do sistema legal canadense – Common Law e Civil Law –, a interpretação, a integração e a aplicação do direito leva em linha de conta a diversidade cultural, étnica, religiosa, ... com os 200 grupos étnicos da sociedade canadense a envolver mais de 20% da população daquele país. Por certo, bem mais complexa que a sociedade brasileira, todavia, no Brasil, os elementos da diversidade cultural e da diversidade regional estão a merecer melhor atenção e compreensão de acordo com os novos princípios do direito sedimentados em nível internacional.

Com efeito, o que se pretende em um Direito Amazônico é a interpretação, a integração e a aplicação do direito de acordo com a realidade da região, considerando as diferenças culturais, no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro.

A liberdade de expressão da Carta de Direitos canadense pode ser compreendida no mesmo sentido dos direitos e garantias da Constituição brasileira, a envolver a expressão cultural, configurando a identidade cultural. Daí a interpretação (integração e aplicação do Direito) considerar a “herança cultural” dos grupos sociais.

Nessa linha, a interpretação deve considerar o elemento multicultural, no sentido da interculturalidade em um Estado unitário, mais apropriado que uma “abordagem do mosaico” cultural, das palavras do juiz Michel Robert. A tolerância neste momento do solidarismo global há de prevalecer na busca do direito de igualdade, observando-se os direitos negativos (não fazer), notadamente em face dos direitos de grupos (direitos culturais, etc.), e os direitos positivos (igualdade, culturais, etc.).

Para o juiz Robert Sharpe, essa interpretação deve ser de acordo com os valores da Constituição segundo a teoria “orgânica” ou da “árvore viva”, pois a Constituição é “uma árvore viva capaz de crescer e se expandir dentro de seus limites naturais”, um sentido da finalidade das normas, rejeitando-se a “intenção original”.

É certo que a essa compreensão aplica-se ao governo e subordina as demais normas no ordenamento jurídico, considerando para além do princípio da dignidade da pessoa humana, expresso na Constituição brasileira (art. 1º, inc. III), na linha de um Peter Häberle, mas, a dignidade humana, de um Jorge Miranda, não restringindo-se ao indivíduo, mas ao grupo social.

Considerando a grandeza amazônica – terras, florestas, águas... cultura –, com distâncias somente alcançáveis por via fluvial a levar dias, penso possível lei razoável, de execução de forma razoável, com julgamento em prazo razoável, na proporção do interesse social da sociedade da Amazônia. Seria cumprir os princípios da República em eliminar as desigualdades sociais e regionais, por meio do Judiciário.
Seria a verdadeira concretude do Direito na Amazônia, além de um pensar e um fazer, de um Friedrich Müller, em sua Teoria Estruturante. Seria o Direito Amazônico.

[1] Magistrado (RR). Professor (UFRR).
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Direitos culturais: a experiência canadense e o direito amazônico

Gursen De Miranda[1]



A participação que tive no I Congresso Internacional da Associação dos Magistrados Brasileiros – 2010, realizado no Canadá, nas cidades de Toronto, Montreal e Ottawa, no período de 07 a 17 de setembro, impõe satisfação à sociedade de meu Estado, para além de magistrado como cidadão, afinal é o povo de Roraima que paga o salário que recebo (equivalente a metade do salário de um juiz canadense).

Certamente, a temática central do evento – o sistema judicial canadense – permitiu ampliar a compreensão sobre o jurídico mais próximo em nossa região, que chamo Direito Amazônico, nomeadamente as palestras proferidas pelo juiz Robert Sharpe, da Corte de Apelação de Ontário – Carta de Direitos e a Common Law –, pela juíza France Kitely e pelo juiz Frank Marrocco, ambos da Corte de Justiça de Ontário – Julgando numa sociedade multiétnica – e pelo juiz Michel Robert, presidente da Corte de Apelação de Quebec – A Corte de Apelação de Quebec e seu papel diferenciado no Canadá.

Abstraindo do bijuralismo do sistema legal canadense – Common Law e Civil Law –, a interpretação, a integração e a aplicação do direito leva em linha de conta a diversidade cultural, étnica, religiosa, ... com os 200 grupos étnicos da sociedade canadense a envolver mais de 20% da população daquele país. Por certo, bem mais complexa que a sociedade brasileira, todavia, no Brasil, os elementos da diversidade cultural e da diversidade regional estão a merecer melhor atenção e compreensão de acordo com os novos princípios do direito sedimentados em nível internacional.

Com efeito, o que se pretende em um Direito Amazônico é a interpretação, a integração e a aplicação do direito de acordo com a realidade da região, considerando as diferenças culturais, no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro.

A liberdade de expressão da Carta de Direitos canadense pode ser compreendida no mesmo sentido dos direitos e garantias da Constituição brasileira, a envolver a expressão cultural, configurando a identidade cultural. Daí a interpretação (integração e aplicação do Direito) considerar a “herança cultural” dos grupos sociais.

Nessa linha, a interpretação deve considerar o elemento multicultural, no sentido da interculturalidade em um Estado unitário, mais apropriado que uma “abordagem do mosaico” cultural, das palavras do juiz Michel Robert. A tolerância neste momento do solidarismo global há de prevalecer na busca do direito de igualdade, observando-se os direitos negativos (não fazer), notadamente em face dos direitos de grupos (direitos culturais, etc.), e os direitos positivos (igualdade, culturais, etc.).

Para o juiz Robert Sharpe, essa interpretação deve ser de acordo com os valores da Constituição segundo a teoria “orgânica” ou da “árvore viva”, pois a Constituição é “uma árvore viva capaz de crescer e se expandir dentro de seus limites naturais”, um sentido da finalidade das normas, rejeitando-se a “intenção original”.

É certo que a essa compreensão aplica-se ao governo e subordina as demais normas no ordenamento jurídico, considerando para além do princípio da dignidade da pessoa humana, expresso na Constituição brasileira (art. 1º, inc. III), na linha de um Peter Häberle, mas, a dignidade humana, de um Jorge Miranda, não restringindo-se ao indivíduo, mas ao grupo social.

Considerando a grandeza amazônica – terras, florestas, águas... cultura –, com distâncias somente alcançáveis por via fluvial a levar dias, penso possível lei razoável, de execução de forma razoável, com julgamento em prazo razoável, na proporção do interesse social da sociedade da Amazônia. Seria cumprir os princípios da República em eliminar as desigualdades sociais e regionais, por meio do Judiciário.
Seria a verdadeira concretude do Direito na Amazônia, além de um pensar e um fazer, de um Friedrich Müller, em sua Teoria Estruturante. Seria o Direito Amazônico.

[1] Magistrado (RR). Professor (UFRR).