Os estudos direcionados à realidade amazônica são maximizados com o Pacto Amazônico, considerando-se que os temas do Tratado refletem as necessidades mais imediatas da região, a exigir tratamento jurídico especializado: direito ecológico; direito agrário; direito indígena; direito minerário; direito da navegação (fluvial); direito do comércio exterior; e, direito comunitário. Dai a denominação direito amazônico. Interpretar e aplicar o direito de acordo com o contexto regional.

segunda-feira, setembro 12, 2005

PROPRIEDADE SOCIAL III

PROPRIEDADE SOCIAL III

Gursen De Miranda*



Encíclica Rerum Novarum, de 1891.

Procurando o fiel da balança entre as idéias que repercutiam, a igreja católica, por meio do Papa Leão XIII (1810-1903), no dia 15 de maio de 1891, outorgou ao mundo a carta encíclica Rerum Novarum, sobre a condição dos operários. Direciona seus ensinamentos na propriedade privada como direito natural, sob dois fundamentos: (1) o caráter racional do homem; e, (2) o sentido do trabalho humano.

A igreja católica, bem antes da encíclica de Leão XIII, havia se manifestado na mesma linha, certamente, sem a mesma repercussão. O papa Clemente (Da Epístola 5ª à Igreja de Jerusalém) defendeu que “o uso das coisas deste mundo deve ser comum para os homens, porém houve alguém que iniquamente tornou isto seu, o outro, aquilo, e assim se estabeleceu a propriedade entre os mortais”. São Crisóstomo (De Homilias), da mesma forma, afirma que “Deus fez comuns as coisas indispensáveis à vida, como a luz, o ar, a terra, o sol ... Por isso a comunidade é de origem divina e natural, sendo artificial e humana a propriedade”.

O fundamento filosófico da doutrina da igreja católica, no entanto, vem da Idade Média, do século XIII, sob a concepção aristotélica de Santo Tomás de Aquino (1225-1274) com a Summa Contra Gentiles, para quem “cada coisa alcança sua colocação ótima quando é ordenada para o seu próprio fim”. Eis a lição tomista: “Outra coisa que convém ao homem em relação aos bens exteriores é o seu uso. E quanto a isso o homem não deve possuí-los como próprios, mas como comuns ...”

O Papa Leão XIII demonstra que “o que em nós se avantaja, o que nos faz homens e nos distingue essencialmente do animal, é a razão ou a inteligência, em virtude desta prerrogativa deve reconhecer-se ao homem não só a faculdade geral de usar das coisas exteriores, mas ainda o direito estável e perpétuo de as possuir, tanto as que se consomem pelo uso, como as que permanecem depois de nos terem servido” (RN 11). Sustenta o Papa que “de tudo isto resulta, mais uma vez, que a propriedade particular é plenamente conforme à natureza. A terra, sem dúvida, fornece ao homem com abundância as coisas necessárias para a conservação da sua vida e ainda para o seu aperfeiçoamento, mas não poderia fornece-las sem a cultura e sem os cuidados do homem” (RN 15). Esclarece, no entanto, Leão XIII que “posto que dividida em propriedades particulares, a terra não deixa de servir à utilidade comum de todos, atendendo a que ninguém há entre os mortais que não se alimente do produto dos campos” (RN 14).

Era a fundamentação filosófica da justiça social e a consagração do direito à propriedade, ou seja, todos têm direito de ser proprietário, conforme estruturação teórica do iluminismo e sedimentação com a Rerum Novarum.

A idéia foi seguida por Pio XI, com a encíclica Quadragesimo Anno, de 1931, por João XXIII, com a encíclica Mater et Magistra, de 1961, e por Paulo VI, com a encíclica Octogésima Adveniens, de 1971. A mesma linha de pensamento da Doutrina Social Cristão, inaugurada por Leão XIII seguiu João Paulo II quando, em Puebla, México, sustentou que “sobre toda propriedade privada pesa uma hipoteca social”, defendendo a socialização da propriedade, e nas encíclica Laborem Exercens, sobre o trabalho humano, em 1981, e a Centesimus Annus, em 1991.

É a transformação da propriedade capitalista, individualista, em propriedade social, socializada, sem o comunismo. A propriedade deixa “de ser aquele direito absoluto e intangível do indivíduo sobre a coisa possuída, direito subjetivo, metafísico, racionalista e individualista, para se tornar uma situação jurídica objetiva, subordinando o bem à sua finalidade social” (Alves: 238).


Consagração constitucional

Constituição do México, de 1917.

Pela primeira vez a doutrina de Duguit transforma-se em princípio constitucional com o artigo 27, da Constituição Mexicana.

Constituição de Weimar, de 1919.

Na Europa coube à Constituição Alemã a consagração do princípio no seu artigo 157, com a máxima “a propriedade obriga”, ou seja, a propriedade deve satisfazer ao bem da coletividade. A teoria da função social da propriedade foi elevada a categoria de princípio jurídico constitucional.

Depois vieram as Constituições da Ioguslávia, de 1921 (art. 37), do Chile, de 1925 (art. 10), e a dos demais países de quase todo o mundo.