Os estudos direcionados à realidade amazônica são maximizados com o Pacto Amazônico, considerando-se que os temas do Tratado refletem as necessidades mais imediatas da região, a exigir tratamento jurídico especializado: direito ecológico; direito agrário; direito indígena; direito minerário; direito da navegação (fluvial); direito do comércio exterior; e, direito comunitário. Dai a denominação direito amazônico. Interpretar e aplicar o direito de acordo com o contexto regional.

quinta-feira, maio 15, 2008

Raposa / Serra do Sol - Audiência na Câmara

AUDIÊNCIA NA CÂMARA - Na defensiva, ministro diz que governo cumpriu a Constituição

(Carvílio Pires)

Da direita para a esquerda, o governador Anchieta Júnior, o deputado Marcondes Gadelha e o ministro Tarso Genro durante a audiência pública
As atenções da sociedade roraimense se voltaram na manhã de ontem para a audiência pública promovida pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara Federal. Apesar das ausências dos ministros Nelson Jobim e Mangabeira Unger, o governador Anchieta Júnior e o ministro da Justiça, Tarso Genro, falaram sobre questões que envolvem a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol.

Primeiro a falar, o governador apresentou mapas sobre a situação do Estado diante das demarcações federais. Disse que 46% do território estão destinados a terras indígenas. Além dessas, há áreas arrecadadas pelo Incra e ao final sobravam em torno de 10% para as ações de desenvolvimento.

Reforçou que a falta de segurança jurídica aos investidores dificulta o crescimento econômico tendo em vista as consecutivas pretensões para demarcação ou aumento de terras indígenas. Em razão disso, foram apresentadas na Justiça ações questionando a demarcação da Raposa Serra do Sol.

O governador entende como perigosa a situação das fronteiras em Roraima. Argumentou que diante da instabilidade emocional entre índios contrários e favoráveis à retirada de não-índios decidiu recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), para evitar derramamento de sangue.

MINISTRO – Tarso Genro disse que o Ministério da Justiça passou a orientar a operação de retirada devido à existência, desde 2005, do decreto de homologação da terra indígena que deveria ser cumprido, impondo a desintrusão de não-índios.

Tento em vista a determinação constitucional, o ministro informou que o governo usou o aparato necessário da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança para dar cumprimento à desocupação. De acordo com ele, o governo teria gasto R$ 200 mil para realizar a Operação Upatakon 3.

Apegado à tese jurídica, o ministro foi evasivo ou genérico ao responder questões que pudessem comprometer o desempenho do Executivo. Não respondeu questões que falavam sobre posições de comandantes militares e evitou avaliar temas como segurança nacional. Porém, se ofereceu a voltar na audiência em que estarão presentes os ministros Nelson Jobim e Mangabeira Unger.

PARTICIPAÇÃO – Terminada a exposição dos convidados, o presidente da sessão, Marcondes Gadelha, autorizou a intervenção de autores de requerimentos. Em maioria, os questionamentos foram dirigidos ao ministro Tarso Genro.

Marcelo Itagiba (PMDB-RJ) acusou a União de interferir no Estado de Roraima. Criticou a decisão do Brasil de assinar, na ONU, a Declaração de Direitos dos Povos Indígenas quando países como Estados Unidos, Canadá e Austrália deixaram de subscrever o documento que dá autonomia política e administrativa às terras indígenas.

No entendimento do deputado Itagiba, mantidos alguns pressupostos defendidos pelo governo, a Praia de Ipanema deveria ser devolvida aos índios. Para impedir a cobiça sobre riquezas existentes em terras indígenas, entregou projeto de sua autoria que prevê a criação de territórios federais em extensas áreas indígenas.

Antônio Carlos Panuzio (PSDB-SP) também atacou o ministro dizendo que fora óbvio ao dizer que qualquer decisão do Supremo seria acatada. Citando relatório da comissão externa da Câmara, produzido pelo ex-deputado Lindberg Farias (PT), Panuzio disse que naquela época já havia recomendação para se ter cautela com a demarcação porque feria direitos de brasileiros que ocupavam a região há mais de 150 anos, marcando a presença do Brasil em seus limites extremos.

O deputado Márcio Junqueira (DEM) não quis detalhar a situação na Raposa Serra do Sol alegando que o ministro da Justiça conhecia bem todos os fatos. Mas fez uma porção de perguntas a Tarso Genro. Entre elas sobre a segregação a igrejas evangélicas (o ministro negou existir). Também indagou ao governador se o Estado era ressarcido dos investimentos que fazia em terras indígenas.

Chico Rodrigues (DEM) destacou que expressivas lideranças de países ricos há muito tempo divulgam ser importante que o Brasil tenha soberania restrita sobre a Amazônia. A estratégia com esta finalidade vem se aperfeiçoando, como agora prevê a Declaração de Direitos dos Povos Indígenas criada pela ONU, quando veta operações militares em terras indígenas. “O Brasil está perdendo o controle sobre a Amazônia, tornando necessária e urgente a interferência do Governo Federal”.

O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) propôs que seja criada uma comissão de acompanhamento. A comissão atuaria como mediadora entre os governos Federal e do Estado e também junto aos moradores da região em conflito, para evitar acirramento de ânimos ou até confrontos.

Anchieta entende que audiência foi positiva

Mesmo que dois ministros não tenham comparecido, o governador Anchieta Júnior (PSDB) avaliou como positiva a audiência promovida pela Câmara dos Deputados. Lamentou que alguns deputados tivessem tumultuado a sessão querendo transformá-la em palanque eleitoral.

O governador não quis emitir conceito sobre sua participação, preferindo deixar para fazer essa avaliação depois de ver como a imprensa repercutirá o evento. “Acho que não houve ganhador nem perdedor. Trouxe a nossa verdade para a sociedade brasileira”, comentou.

Ao analisar o desempenho de Tarso Genro, Anchieta Júnior disse que o ministro estava ali para defender os interesses do Governo Federal em posição antagônica àquela apresentada por Roraima. “Ao sair da audiência o ministro me disse que independente da decisão do Supremo iria precisar de minha ajuda”.

O governador avalia que o ministro possa estar sentindo a possibilidade de uma decisão diferente daquela que é esperada pelo governo – a manutenção da reserva como foi demarcada.

Para ele, outro aspecto positivo é que a imprensa brasileira deverá repercutir com mais ênfase que a demarcação de terras indígenas deve ser regulamentada pelo Supremo Tribunal Federal, evitando se estender pelo território nacional os questionamentos agora levantados por Roraima.

TUMULTO – No transcurso da audiência e ao contestar declarações do ministro Tarso Genro, o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) “fez acusações pessoais, desabonadoras e impublicáveis”, conforme relatou um deputado estadual presentes à sessão.

Enquanto Bolsonaro desancava o ministro, o clima ficou constrangedor e o plenário, até então um pouco barulhento, transformou-se num silêncio sepulcral. Sem esperar o término da sessão (até porque já havia anunciado ter outro compromisso), o ministro recolheu os documentos que levara e foi embora.

“Nesse momento, o deputado Chico Rodrigues requereu à Mesa que a sessão fosse encerrada pela falta de tranqüilidade para que fosse continuada. O requerimento foi acatado e o presidente da Mesa encerrou a sessão”, contou o deputado estadual.

Indagado sobre a participação de Tarso Genro, o deputado Chico Rodrigues disse que o ministro foi evasivo na maioria das respostas “e tangenciou a verdade”. “Assumiu a posição de governo e deu a versão dele que é diferente da realidade dos fatos”, disse. O parlamentar acrescentou que o ministro apenas insistiu no discurso de obediência à Constituição para evitar confrontos. (C.P)

(Jornal Folha de Boa Vista, de 15 de maio de 2008).