Os estudos direcionados à realidade amazônica são maximizados com o Pacto Amazônico, considerando-se que os temas do Tratado refletem as necessidades mais imediatas da região, a exigir tratamento jurídico especializado: direito ecológico; direito agrário; direito indígena; direito minerário; direito da navegação (fluvial); direito do comércio exterior; e, direito comunitário. Dai a denominação direito amazônico. Interpretar e aplicar o direito de acordo com o contexto regional.

segunda-feira, abril 21, 2008

Área Indígena Krikati

PALESTRA EM MONTES ALTOS (MARANHÃO)
Alcir Gursen De Miranda

No último dia 16 de abril de 2008, às 10h30, a convite da Câmara Municipal de Montes Altos (Estado do Maranhão), por meio de seu presidente, vereador Jaci de Sousa Fonseca, tive o privilégio de proferir palestra no Plenário Laura Rocha Ferraz, daquela Câmara Municipal, versando sobre o tema A QUESTÃO INDÍGENA KRIKATI E O REFLEXO NA ATIVIDADE AGRÁRIA DA REGIÃO. O Plenário estava lotado e várias pessoas – sob sol escaldante – assistiram à palestra da calçada, pelo lado de fora do prédio; foi apenas mais um dia ao sol desses sertanejos (homens e mulheres) com tez ressecada no labutar a terra no dia a dia, com suas mãos calejadas, regando o solo o suor do rosto e o sangue da mão.
Após traçar, em rápidas palavras, um histórico dos direitos dos índios no Brasil, desde o início do século XVII, destacadamente no Estado do Maranhão, passando pelos órgãos responsáveis pela política indigenista no país (SPI e FUNAI) e a filosofia integracionista adotada, detive-me na Constituição Federal de 1988, para analisar as dimensões que envolvem o conceito de terra indígena da União: posse, trabalho, ambiente, cultura.
Destaquei a essência da atividade do índio como trabalhador rural e questionei sobre a compreensão do conceito de tradicionalidade. Fiz referência a estudo já publicado (O Direito e o Índio), onde procuro espancar o problema sob dois aspectos: primeiro, identificar se a tradicionalidade é histórica ou viva; segundo, demonstrar o período bíblico de uma geração (25 anos, igual a cinco lustros, ou cinco vezes o lapso temporal definido pela CF/88, para caracterizar a usucapião agrária – art. 191) como suficiente e necessário para definir a tradicionalidade de terra indígena. Se configurada a posse indígena durante esse período, estaria configurada a terra indígena, caso contrário, não. Nada é absoluto, tudo é relativo, diria EINSTEIN.
Nessa linha, enfatizei que o valor maior no âmbito agrário é o trabalho; é o trabalho sobre a terra que garante ao homem do campo a posse da terra, independentemente de qualquer título formal fornecido pelo Estado. Com efeito, se o sertanejo trabalha a terra há mais de 25 anos (antes de iniciados os trabalhos da FUNAI, para identificação da área indígena), certamente, esta terra não pode, e não deve ser considerada terra indígena, por lhe faltar elemento essencial: a tradicionalidade viva. É a posse permanente exigida pela Constituição Federal.
Para concluir a palestra (como verdadeiro “rabo de palha”, do campo metodológico), incentivei os sertanejos a continuar trabalhando a terra e produzindo alimento para o povo daquela região, considerando que a terra por eles trabalhada, com extensão aproximada de 21.000 hectares, conforme Despacho do Ministro da Justiça, de 1999, foi excluída dos limites da Terra Indígena Krikati.
Houve amplo debate.
Fiquei estarrecido, no entanto, com o revelado depois: o teor de um Decreto datado de 27 de outubro de 2004, que “homologa a demarcação da Terra Indígena Krikati”, assinado pelo presidente da República e pelo ministro da Justiça, exibido por um sertanejo.
A razão do espanto é de natureza essencialmente jurídica. O Decreto Presidencial Homologatório da Terra Indígena Krikati é nulo de pleno direito, pelo menos sob dois fundamentos: (1) por contrariar os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inc. LV); (2) por ser editado à margem do figurino administrativo (Decreto de Demarcação nº 1775, de 1996).
Portanto, o Decreto Homologatório encontra-se eivado de inconstitucionalidade e de ilegalidade; é um ato administrativo viciado; é nulidade absoluta e não produz efeito por ofender, gravemente, princípio de ordem pública. Lembro que o ato nulo opera-se ex tunc, tem eficácia erga omnes, pode ser decretado ex offíco pelo juiz, não pode ser suprido, nem ratificado, e não prescreve.
Se o Decreto Presidencial Homologatório obedeceu ao procedimento determinado pelo Decreto nº 1775, de 1996, que regulamenta a demarcação de terra indígena, o senhor presidente da República deveria editar aquele Decreto Homologatório de acordo com o Despacho do Ministro da Justiça, de 1999, que definiu os limites da Terra Indígena Krikati, excluindo aproximadamente 21 mil hectares, em relação à pretensão inicial da FUNAI. Nesse caso houve inconstitucionalidade pelo fato de os interessados não terem se manifestado previamente ao Decreto Homologatório e houve ilegalidade por desobediência ao procedimento administrativo, definido pelo Decreto de Demarcação, de 1996.
O Decreto Homologatório (2004) foi editado após o Decreto de Demarcação (1996), logo, este Decreto de Demarcação deveria ser obedecido pelo presidente da República.
Se o Decreto Presidencial Homologatório desconsiderou o Despacho do Ministro da Justiça, de 1999, e se fundamentou na Portaria nº 328/MJ, de 1992, a inconstitucionalidade atinge a própria Portaria, por editada em desacordo com a Constituição da República, de 1988, nomeadamente por desconsiderar os princípios do contraditório e da ampla defesa. Aliás, conforme os considerandos do Decreto de Demarcação, de 1996, a razão maior de sua edição foi amoldar o procedimento demarcatório, conforme a nova ordem constitucional que define como direito fundamental o contraditório e a ampla defesa.
Ora, o Despacho do Ministro, de 1999, por óbvio, revogou a Portaria, de 1992. Portanto, mesmo que em algum momento tenha sido declarada a nulidade judicial do Despacho de 1999, o senhor presidente da República jamais, em momento algum, poderia se valer da Portaria, de 1992, por não ter o poder de “ressuscitar” norma administrativa revogada; o ordenamento jurídico brasileiro não recepcionou o princípio da represtinação.
O senhor presidente da República, como qualquer outro administrador público, deve obedecer à lei, afinal, a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado de Direito Social Democrático (CF/88: art. 1º).