Os estudos direcionados à realidade amazônica são maximizados com o Pacto Amazônico, considerando-se que os temas do Tratado refletem as necessidades mais imediatas da região, a exigir tratamento jurídico especializado: direito ecológico; direito agrário; direito indígena; direito minerário; direito da navegação (fluvial); direito do comércio exterior; e, direito comunitário. Dai a denominação direito amazônico. Interpretar e aplicar o direito de acordo com o contexto regional.

sábado, outubro 30, 2010

Mineração - Indígena

Mineração em reserva preocupa yanomami


Dario Yanomami: “Os indígenas não foram consultados sobre o pedido” NEURACI SOARES

Uma solicitação de licença ambiental para exploração mineral em uma área de 900 hectares, próxima à terra indígena Yanomami, no leito do rio Uraricuera, no Município de Amajari, está causando divergências entre índios e não-índios. O processo tramita na Fundação Estadual de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia de Roraima (Femact), para a atividade de extração de ouro nos limites da reserva.

O presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Dário Yanomami, afirma que a mineração é a principal ameaça aos Yanomami e Ye'kuana que habitam a região e alega que as autoridades estaduais não consultaram os indígenas sobre a questão. “Não são pessoas que entram na floresta e degradam apenas algumas regiões. A mineração precisa de estradas para transportar os minérios, de grandes áreas para guardar a produção, de locais para alojar os funcionários e, com isso, fará grandes buracos no solo que não deixarão a nossa terra se recuperar”, relata Dário.

Na preocupação dos índios, as mineradoras vão precisar de energia para funcionar. Eles questionam de onde virá essa energia para fazer as máquinas trabalharem, como será feito o transporte dos minérios e ainda, quando as gemas mais valiosas terminarem e as mineradoras forem embora, o que pode acontecer com os trabalhadores – se irão permanecer na terra indígena. “E quando transformarem e extraírem o minério, o que acontecerá com os resíduos que poderão contaminar na nossa terra?”, questiona Dário.

“Causou-nos preocupação e surpresa a existência de um processo que busca legalizar a atividade de extração de ouro nos limites da Terra Indígena Yanomami, processo esse que tramita sem consulta aos indígenas ou realização de estudo que mostre os impactos negativos que certamente existirão, caso seja aprovada essa atividade”, enfatiza Dário.

FEMACT – A Femact informou, por meio da assessoria de comunicação, que não existe qualquer processo nesse sentido e que desconhece totalmente o assunto.

DNPM – Por sua vez, o superintendente do Departamento Nacional de Produção Mineral em Roraima (DNPM/RR), o engenheiro de minas Eugênio Tavares, confirmou que existe um processo de licença ambiental para pesquisa mineral na região do rio Uraricuera, no Município de Amajari.

Segundo Tavares, a requisição foi feita por uma pessoa física que tem o nome resguardado e que visa à pesquisa para a exploração mineral de ouro na região. “Esse processo tramita na Femact e após liberação ambiental, terá trâmite no DNPM – órgão gestor do patrimônio mineral brasileiro responsável pela liberação de pesquisa e lavra em todo território nacional – e posteriormente no Conselho de Defesa Nacional, por se tratar de exploração mineral em área de fronteira”, explica o superintendente do DNPM.

Tavares disse que as alegações dos índios Yanomami não têm fundamento, pois a exploração mineral está fora da terra indígena e em sentido oposto à corredeira do rio, o que não implica em risco de contaminação para os indígenas. “Isso falando em possível contaminação, o que em um processo de exploração mineral liberado pelos órgãos competentes, conta com um intenso trabalho de fiscalização, minimizando ao máximo possíveis contaminações nas áreas circunvizinhas”, destaca.

O superintendente do DNPM disse ainda que em Roraima há um equívoco quando se fala de mineração e garimpo. “Garimpo é um trabalho clandestino, prejudicial ao meio ambiente e consequentemente ao homem; já a mineração é um trabalho regularizado, fiscalizado pelos órgãos competentes e que traz retorno econômico à comunidade onde é executado”, esclarece.

Sobre a exploração de ouro no rio Uraricuera, Tavares afirma que será uma ação proveitosa para o estado, com geração de emprego e renda, o que irá fortalecer a economia local e proporcionar uma melhor qualidade de vida para toda a população local.

(Fonte: Jornal Folha de Vista, de 30 de outubro de 2010).

terça-feira, outubro 19, 2010

Direito Agrário - disciplina obrigatória

Faculdade inclui Direito Agrário em sua matriz curricular

O Centro Universitário Cesmac, em Maceió, incluiu a disciplina de Direito Agrário na nova matriz curricular da graduação de Direito, que vem sendo implantada progressivamente pela instituição para contemplar as áreas do Direito que estavam ausentes na grade. O intuito é adequar o perfil do curso e da formação do aluno à realidade do estado, que apresenta sérios problemas agrários.
“Em um estado predominantemente agrícola como é Alagoas, não se pode conceber uma graduação de Direito sem que o estudante tenha conhecimento do Direito Agrário, daí a inclusão da disciplina na nova matriz curricular”, explica o coordenador do curso, professor Fernando Sérgio de Amorim.
O aluno do 9º período de Direito da Cesmac, Iure Peixoto de Mello, concorda com a visão do coordenador e se mostra entusiasmado com a inclusão do Direito Agrário. “É importante porque a maior parte da territorialidade do Brasil é composta por áreas agrícolas ou rurais, que envolvem conflitos. Então nós temos que nos voltar para essas questões, que devem ser acolhidas pelo Direito, e acompanhar essa realidade. O que até agora a gente não fazia”, ressalta.
De acordo com o professor, a pequena inserção da disciplina nas faculdades de Direito é resultado do processo de urbanização do Brasil, que há muito tempo deixou de ser um país rural. Para ele, como as faculdades são concentradas sobretudo nas capitais ou grandes centros urbanos, é natural que haja uma preocupação maior com os problemas típicos da cidade. “Só que as pessoas esquecem que esses problemas interferem ou são reflexo dos problemas do campo. As instituições de ensino superior ficam muito focadas nos problemas dos centros urbanos, imaginando que essas questões estão dissociadas dos conflitos rurais”, observa Amorim.
Outro fator que dificulta a penetração do Direito Agrário nas universidades é o conceito de propriedade privada como direito absoluto, uma das premissas do Direito Civil. No entanto, o coordenador da graduação acredita que mesmo no âmbito do Direito Privado, especialmente o Civil, o conceito de posse e propriedade precisam ser vistos à luz do Direito Constitucional. Deste modo, a nova matriz curricular foi elaborada com essa visão constitucionalista, em detrimento da divisão entre Direito Público, Privado e Penal.
Segundo o professor, a concepção estritamente civilista vem progressivamente perdendo espaço para uma visão constitucionalista em relação a questões como a reforma agrária. “Daí a necessidade de aproximar o Direito, como um todo, dos princípios e valores que são consagrados no texto constitucional. E um dos principais desses valores é a função social da propriedade”, defende Amorim.

Interdisciplinaridade

Para o centro universitário, uma forma de despertar no estudante a consciência para a discussão da reforma agrária e outras questões abarcadas pelo Direito Agrário é efetivamente promover o diálogo do Direito com outros ramos do conhecimento. “Os estudantes querem estudar logo o Direito Penal, Civil, Constitucional ou administrativo, mas negligenciam o estudo da Sociologia, da Filosofia, História. Essa é uma distorção que precisa ser corrigida. Se os aproximarmos de outros ramos do pensamento, certamente formaremos profissionais muito mais críticos em relação às suas atuações e que embasarão as suas decisões com muito mais consistência do que aqueles que têm conhecimento técnico, mas que não têm visão interdisciplinar do próprio papel que o Direito desempenha na sociedade”, teoriza o coordenador.

Pós-graduação

O Centro Universitário Cesmac também planeja a criação de um curso de especialização em Direito Agrário. O projeto ainda está em fase embrionária e encontra-se em discussão no núcleo de pós-graduação da instituição. O objetivo é montar um programa que atenda as necessidades locais do nordeste, que apresenta características peculiares nesse contexto, se comparado às regiões sul e sudeste do país. O início da operacionalização está previsto para o primeiro semestre do ano que vem, quando cerca de 45 vagas devem ser ofertadas, variando de acordo com a demanda do mercado.
Fernando Sérgio Amorim acredita que a procura será grande e haverá interesse sobretudo dos órgãos e pessoas envolvidas com a questão agrária em Alagoas, que carecem de capacitação nessa área. “Há bastante demanda porque é um tema que está na ordem do dia no país. A questão do Direito Agrário já deveria ter sido suplantada há muito tempo, o que nós estamos fazendo é resolver uma dívida do passado”, declarou.




Assessoria de Comunicação da PFE/Incra
(61) 3411 7275

segunda-feira, outubro 11, 2010

Direitos culturais - Canadá

Direitos culturais: a experiência canadense e o direito amazônico

Gursen De Miranda[1]



A participação que tive no I Congresso Internacional da Associação dos Magistrados Brasileiros – 2010, realizado no Canadá, nas cidades de Toronto, Montreal e Ottawa, no período de 07 a 17 de setembro, impõe satisfação à sociedade de meu Estado, para além de magistrado como cidadão, afinal é o povo de Roraima que paga o salário que recebo (equivalente a metade do salário de um juiz canadense).

Certamente, a temática central do evento – o sistema judicial canadense – permitiu ampliar a compreensão sobre o jurídico mais próximo em nossa região, que chamo Direito Amazônico, nomeadamente as palestras proferidas pelo juiz Robert Sharpe, da Corte de Apelação de Ontário – Carta de Direitos e a Common Law –, pela juíza France Kitely e pelo juiz Frank Marrocco, ambos da Corte de Justiça de Ontário – Julgando numa sociedade multiétnica – e pelo juiz Michel Robert, presidente da Corte de Apelação de Quebec – A Corte de Apelação de Quebec e seu papel diferenciado no Canadá.

Abstraindo do bijuralismo do sistema legal canadense – Common Law e Civil Law –, a interpretação, a integração e a aplicação do direito leva em linha de conta a diversidade cultural, étnica, religiosa, ... com os 200 grupos étnicos da sociedade canadense a envolver mais de 20% da população daquele país. Por certo, bem mais complexa que a sociedade brasileira, todavia, no Brasil, os elementos da diversidade cultural e da diversidade regional estão a merecer melhor atenção e compreensão de acordo com os novos princípios do direito sedimentados em nível internacional.

Com efeito, o que se pretende em um Direito Amazônico é a interpretação, a integração e a aplicação do direito de acordo com a realidade da região, considerando as diferenças culturais, no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro.

A liberdade de expressão da Carta de Direitos canadense pode ser compreendida no mesmo sentido dos direitos e garantias da Constituição brasileira, a envolver a expressão cultural, configurando a identidade cultural. Daí a interpretação (integração e aplicação do Direito) considerar a “herança cultural” dos grupos sociais.

Nessa linha, a interpretação deve considerar o elemento multicultural, no sentido da interculturalidade em um Estado unitário, mais apropriado que uma “abordagem do mosaico” cultural, das palavras do juiz Michel Robert. A tolerância neste momento do solidarismo global há de prevalecer na busca do direito de igualdade, observando-se os direitos negativos (não fazer), notadamente em face dos direitos de grupos (direitos culturais, etc.), e os direitos positivos (igualdade, culturais, etc.).

Para o juiz Robert Sharpe, essa interpretação deve ser de acordo com os valores da Constituição segundo a teoria “orgânica” ou da “árvore viva”, pois a Constituição é “uma árvore viva capaz de crescer e se expandir dentro de seus limites naturais”, um sentido da finalidade das normas, rejeitando-se a “intenção original”.

É certo que a essa compreensão aplica-se ao governo e subordina as demais normas no ordenamento jurídico, considerando para além do princípio da dignidade da pessoa humana, expresso na Constituição brasileira (art. 1º, inc. III), na linha de um Peter Häberle, mas, a dignidade humana, de um Jorge Miranda, não restringindo-se ao indivíduo, mas ao grupo social.

Considerando a grandeza amazônica – terras, florestas, águas... cultura –, com distâncias somente alcançáveis por via fluvial a levar dias, penso possível lei razoável, de execução de forma razoável, com julgamento em prazo razoável, na proporção do interesse social da sociedade da Amazônia. Seria cumprir os princípios da República em eliminar as desigualdades sociais e regionais, por meio do Judiciário.
Seria a verdadeira concretude do Direito na Amazônia, além de um pensar e um fazer, de um Friedrich Müller, em sua Teoria Estruturante. Seria o Direito Amazônico.

[1] Magistrado (RR). Professor (UFRR).
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Direitos culturais: a experiência canadense e o direito amazônico

Gursen De Miranda[1]



A participação que tive no I Congresso Internacional da Associação dos Magistrados Brasileiros – 2010, realizado no Canadá, nas cidades de Toronto, Montreal e Ottawa, no período de 07 a 17 de setembro, impõe satisfação à sociedade de meu Estado, para além de magistrado como cidadão, afinal é o povo de Roraima que paga o salário que recebo (equivalente a metade do salário de um juiz canadense).

Certamente, a temática central do evento – o sistema judicial canadense – permitiu ampliar a compreensão sobre o jurídico mais próximo em nossa região, que chamo Direito Amazônico, nomeadamente as palestras proferidas pelo juiz Robert Sharpe, da Corte de Apelação de Ontário – Carta de Direitos e a Common Law –, pela juíza France Kitely e pelo juiz Frank Marrocco, ambos da Corte de Justiça de Ontário – Julgando numa sociedade multiétnica – e pelo juiz Michel Robert, presidente da Corte de Apelação de Quebec – A Corte de Apelação de Quebec e seu papel diferenciado no Canadá.

Abstraindo do bijuralismo do sistema legal canadense – Common Law e Civil Law –, a interpretação, a integração e a aplicação do direito leva em linha de conta a diversidade cultural, étnica, religiosa, ... com os 200 grupos étnicos da sociedade canadense a envolver mais de 20% da população daquele país. Por certo, bem mais complexa que a sociedade brasileira, todavia, no Brasil, os elementos da diversidade cultural e da diversidade regional estão a merecer melhor atenção e compreensão de acordo com os novos princípios do direito sedimentados em nível internacional.

Com efeito, o que se pretende em um Direito Amazônico é a interpretação, a integração e a aplicação do direito de acordo com a realidade da região, considerando as diferenças culturais, no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro.

A liberdade de expressão da Carta de Direitos canadense pode ser compreendida no mesmo sentido dos direitos e garantias da Constituição brasileira, a envolver a expressão cultural, configurando a identidade cultural. Daí a interpretação (integração e aplicação do Direito) considerar a “herança cultural” dos grupos sociais.

Nessa linha, a interpretação deve considerar o elemento multicultural, no sentido da interculturalidade em um Estado unitário, mais apropriado que uma “abordagem do mosaico” cultural, das palavras do juiz Michel Robert. A tolerância neste momento do solidarismo global há de prevalecer na busca do direito de igualdade, observando-se os direitos negativos (não fazer), notadamente em face dos direitos de grupos (direitos culturais, etc.), e os direitos positivos (igualdade, culturais, etc.).

Para o juiz Robert Sharpe, essa interpretação deve ser de acordo com os valores da Constituição segundo a teoria “orgânica” ou da “árvore viva”, pois a Constituição é “uma árvore viva capaz de crescer e se expandir dentro de seus limites naturais”, um sentido da finalidade das normas, rejeitando-se a “intenção original”.

É certo que a essa compreensão aplica-se ao governo e subordina as demais normas no ordenamento jurídico, considerando para além do princípio da dignidade da pessoa humana, expresso na Constituição brasileira (art. 1º, inc. III), na linha de um Peter Häberle, mas, a dignidade humana, de um Jorge Miranda, não restringindo-se ao indivíduo, mas ao grupo social.

Considerando a grandeza amazônica – terras, florestas, águas... cultura –, com distâncias somente alcançáveis por via fluvial a levar dias, penso possível lei razoável, de execução de forma razoável, com julgamento em prazo razoável, na proporção do interesse social da sociedade da Amazônia. Seria cumprir os princípios da República em eliminar as desigualdades sociais e regionais, por meio do Judiciário.
Seria a verdadeira concretude do Direito na Amazônia, além de um pensar e um fazer, de um Friedrich Müller, em sua Teoria Estruturante. Seria o Direito Amazônico.

[1] Magistrado (RR). Professor (UFRR).