Os estudos direcionados à realidade amazônica são maximizados com o Pacto Amazônico, considerando-se que os temas do Tratado refletem as necessidades mais imediatas da região, a exigir tratamento jurídico especializado: direito ecológico; direito agrário; direito indígena; direito minerário; direito da navegação (fluvial); direito do comércio exterior; e, direito comunitário. Dai a denominação direito amazônico. Interpretar e aplicar o direito de acordo com o contexto regional.

quinta-feira, dezembro 03, 2009

Ambiental - Clima

Mudanças climáticas e as barreiras comerciais

Copenhague precisa discutir também as regras multilaterais de comércio para evitar o protecionismo


Copenhague precisa discutir também as regras multilaterais de comércio para evitar o protecionismo. O debate sobre mudanças climáticas e as medidas para lidar com elas trazem consigo inevitáveis repercussões no comércio internacional. A adoção unilateral de compromissos de redução de emissão de gases que causam o efeito estufa se faz em geral acompanhar de medidas comerciais de equalização das condições de concorrência entre produtos importados e nacionais. No entanto, essas medidas podem adquirir um caráter protecionista e se contrapor às normas da Organização Mundial do Comércio (OMC). A melhor forma de lidar com esse potencial conflito é fortalecer o regime internacional de proteção ao clima pela via multilateral.

Ao final da 13ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CoP-13), realizada em Bali, em 2007, os países signatários comprometeram-se a iniciar esforços adicionais para a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera.

O Plano de Ação de Bali caminhou paralelamente às negociações sobre o segundo período de compromisso do Protocolo de Kyoto (após 31/12/2012), que traz metas de redução de emissões para os países desenvolvidos, com exceção dos EUA, que não ratificaram o acordo.

A 15ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima (CoP-15) e a 5ª Reunião das Partes do Protocolo de Kyoto (MoP-5), que ocorrerão em Copenhague, a partir de segunda-feira, devem fechar essa rodada de negociações iniciada em 2007.

Ao longo da construção do regime internacional de proteção ao sistema climático, agrupamentos regionais, governos nacionais e locais passaram a regular a temática ambiental nas suas legislações, refletindo, de um lado, a preocupação com o aquecimento global e, de outro, a necessidade de marcarem suas posições.

Em 2003, a União Europeia instituiu o Esquema Europeu de Emissões para auxiliar os países membros a alcançar as metas de redução de emissões estabelecidas no Protocolo de Kyoto - média de 8% em relação ao ano-base de 1990. No início de 2009, a União Europeia deu um passo além do consenso global e fixou unilateralmente a meta de redução de 20% em relação aos níveis de 1990, até 2020, e de 60 a 80%, até 2050.

Nos Estados Unidos, tramita no Congresso o projeto de lei Waxman-Markey, que pretende instituir uma política nacional de segurança energética e energia limpa. A proposta prevê metas de redução de emissões de gases de efeito estufa de 17% em relação a 2005, até 2020, e 83% em relação ao mesmo ano base, até 2050. O projeto propõe um sistema de cap and trade federal, ou seja, a imposição de limites de emissões e a instituição de mercado de comercialização de créditos gerados a partir dos excedentes de redução.

Ao adotar essas regras, os países desenvolvidos se sentem tentados a impor medidas de correção dos preços dos produtos importados ou de adaptação a padrões ambientais mais rígidos. Entre essas medidas estão os chamados border tax adjustments, que nada mais são do que sobretaxas aplicadas aos produtos importados não sujeitos às mesmas restrições ambientais em seus países de origem.

Medidas desse tipo tendem a ser prejudiciais para os países em desenvolvimento. Primeiro porque suas empresas enfrentarão dificuldades para exportar. Segundo porque, para manter a competitividade, essas empresas serão forçadas a adaptar seu processo produtivo, sem contar com os incentivos disponibilizados pelos países ricos.

Os efeitos das políticas ambientais unilateralmente adotadas já começam a aparecer. O Esquema Europeu de Emissões prevê que, a partir de 2013, qualquer voo que decole da Europa ou pouse naquele território deverá cumprir suas regras internas de redução de emissões. Além disso, a Diretiva Europeia que promove o uso de energia de fontes renováveis estabelece que considerações de ordem ambiental, social e econômica influirão na importação de biocombustíveis. Nos EUA, o Waxman-Markey já prevê tarifas a produtos importados ou a exigência de que esses bens se sujeitem ao sistema de cap and trade.

Apesar da tentativa de legitimá-las com argumentos ambientais, essas medidas podem adquirir contornos protecionistas e serem contestadas à luz dos acordos da OMC. Entre as regras comerciais potencialmente violadas estão as proibições de produtos estrangeiros serem tributados em excesso à tarifa de importação consolidada no âmbito da OMC ou de serem onerados com taxas, tributos ou exigências internas às quais os produtos nacionais não estão sujeitos. Além disso, a adoção de medidas necessárias à proteção da vida humana, da fauna e da flora e à conservação de recursos naturais, prevista no art. XX do GATT, está condicionada a que não constituam restrições disfarçadas ao comércio internacional.

Ressalva semelhante é estabelecida pela própria Convenção do Clima, que determina que as medidas de combate a mudança do clima não devem constituir meio de discriminação arbitrária ou injustificável ou restrição velada ao comércio internacional.

Além de contrariar princípios fundamentais dos regimes regulatórios tanto do comércio quanto da proteção ao clima, a adoção de medidas protecionistas em legislações ambientais desconsidera as dificuldades de adaptação dos países em desenvolvimento a padrões ambientais mais rígidos.

Nesse cenário, ganha relevo a busca por um acordo em Copenhague. A falta de um consenso global sobre o nível de comprometimento de cada país com a redução de emissões, além de não ajudar no avanço da causa ambiental, aumenta a probabilidade de disputas na OMC quanto à compatibilidade com as regras multilaterais do comércio de certas medidas comerciais inseridas nas legislações nacionais ou regionais sobre mudanças climáticas. Cabe aos líderes mundiais evitar um desfecho como esse.

(Fonte: Valor Econômico, 03/12/2009, reportagem de Rabih A. Nasser é professor de direito internacional da Direito GV).