Entrevista

“A mídia noticiou que mais de oitenta produtos típicos da Amazônia estão registrados por países estrangeiros; estão levando terra preta arqueológica, sangue de índio e água potável.”
Carta Forense – Como surgiu a idéia do Direito Amazônico?
Gursen De Miranda - O direito amazônico é um sonho de caboco marajoara (caboclo é de dicionário). Os estudos jurídicos contextualizados à realidade amazônica, que vinha realizando, foram maximizados com a pesquisa, em 1995, sobre o Tratado de Cooperação Amazônica, para proferir palestra
CF – Há cursos para interessados nesta área atualmente? Como o operador do Direito pode fazer para se preparar neste ramo?
GDM – A UFRR, em 1999, criou o curso de especialização
CF – Que disciplinas do Direito ele abrange?
GDM – Seguindo a temática do Pacto Amazônico, identifiquei os ramos de um direito amazônico: ambiental; agrário; indígena; minerário; navegação (fluvial); comércio exterior; comunitário.
CF – Como a comunidade jurídica recepcionou a idéia deste novo ramo do Direito?
GDM – Em 2002, na Itália, após proferir palestra, onde faço referências ao direito amazônico, convenceram-me a realizar um evento jurídico desse novo direito, na Amazônia. O incentivo do prof. Raymundo Laranjeira, da Bahia,
CF – Quais são as principais normas que norteiam este ramo?
GDM - Esclareço que o direito amazônico não é um novo ramo jurídico. É uma classificação jurídica, envolvendo disciplinas pertinentes à realidade amazônica; é um sistema jurídico regionalizado. Assim como existe o direito público e o direito privado, desde os romanos; modernamente o direito econômico, o direito empresarial, entendo necessário um direito amazônico. O TCA é o principal fundamento do direito amazônico.
CF – Como vem sendo aplicado o Tratado de Cooperação Amazônica?
GDM - O TCA, celebrado em 1978, com o objetivo de promover ações conjuntas para o desenvolvimento harmônico da Bacia Amazônica, foi assinado pelos países da Pan-Amazônia. Visando aperfeiçoar o processo de cooperação desenvolvido pelo Pacto, em 1995, as oito nações criaram a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica. Pelo Protocolo, a OTCA passou a ter uma Secretaria Permanente com sede
CF – Já que a Amazônia é um território transnacional, há projetos de uma integração das normas amazônicas? Como vai ser viabilizado isto?
GDM - É fato o desconhecimento da Amazônia pelos brasileiros. Ressalto a cíclica cobiça da Amazônia, desde o famoso El Dorado, de acordo com a conveniência do momento. A Amazônia Total, de 1981, que definiu a Amazônia como patrimônio da humanidade, está
CF – Há o planejamento de alguma ação contra biopirataria?
GDM – Os milionários interesses das indústrias farmacológicas e de cosméticos, com o domínio da tecnologia, facilita o financiamento de pseudos pesquisadores, missionários, ONG's, em face da inexistência de barreiras legais efetivas. A mídia noticiou que mais de oitenta produtos típicos da Amazônia estão registrados por países estrangeiros; estão levando terra preta arqueológica, sangue de índio e água potável. Os detentores da matéria-prima e do conhecimento não recebem incentivos e nem benéficos. Patente, reconhecida pelo direito internacional, em nada nos favorece; a Convenção de Diversidade Biológica, da ECO-92, aprovada no Brasil, é letra morta. Entendo que o governo federal, com a lei de florestas públicas (Lei 11.284/2006), oficializou a biopirataria.
CF – Há uma preocupação emergencial em tratar da situação de desmatamento em detrimento da cultura da soja?
GDM – O Brasil deveria repensar sua política agrária. Produzir não é só exportar, é agregar valor. Ademais, é possível o agronegócio paralelo à agricultura familiar. Em qualquer forma de atividade, porém, deve-se cumprir com a função social da terra, que impõe a conservação dos recursos naturais, inclusive a cultura da soja. A biodiversidade exige estudo e pesquisa da área, antes de qualquer atividade agrária, com mais razão o desmatamento.
CF – Existe o planejamento de incentivo à economia sustentável para as populações ribeirinhas?
GDM – Os estudos sobre a Amazônia, normalmente, são equivocados. O tipo humano característico da população rural da Amazônia - especialmente o ribeirinho -, historicamente reconhecido, é o caboco. O índio, desde o período colonial, com Carta Régia de 1611, tem legislação amparando seus direitos às áreas que ocupa. O negro, com a Constituição, de 1988, conquistou o direito às áreas quilombolas. Nada dizem sobre o caboco. A Lei de Florestas Públicas trata de comunidades locais, sem referencia ao caboco. No Direito o caboco não é reconhecido como sujeito de direito. Não existe, no Brasil, política séria direcionada aos interesses regionais e a produção de alimentos para o povo amazônida. Os organismos internacionais ficam mais preocupados com os bichinhos e as plantinhas da Amazônia e abstraem as pessoas da região.
CF – Como fica a situação do índio no cenário atual?
GDM – No aspecto fundiário os indígenas, na Amazônia, estão em situação privilegiada (49% do território de Roraima é área indígena), no entanto, saúde, educação, lazer, trabalho e renda, estão a desejar. A FUNAI, ONG's e governos estrangeiros pressionam para demarcação, mas depois que as áreas são homologadas os índios ficam jogados à própria sorte. O exemplo mais evidente são os da área ianomami.
CF – Quais são as expectativas para o desenvolvimento desta área do Direito no futuro?