Os estudos direcionados à realidade amazônica são maximizados com o Pacto Amazônico, considerando-se que os temas do Tratado refletem as necessidades mais imediatas da região, a exigir tratamento jurídico especializado: direito ecológico; direito agrário; direito indígena; direito minerário; direito da navegação (fluvial); direito do comércio exterior; e, direito comunitário. Dai a denominação direito amazônico. Interpretar e aplicar o direito de acordo com o contexto regional.

quarta-feira, maio 21, 2008

Lei de Florestas Públicas - Inconstitucional? STF

Informativo do Supremo Tribunal Federal nº 505 - Brasília, 5 a 9 de maio de
2008

Data (páginas internas): 14 de maio de 2008
*
*Transcrição*
**
**
*Questão Constitucional: Concessão de Floresta Pública e Autorização Prévia
do Congresso Nacional (Transcrições)*



STA 235/RO*


RELATOR: MIN. GILMAR MENDES


DECISÃO: Trata-se de suspensão de tutela antecipada, com pedido de medida
liminar, ajuizada pela União, contra decisão proferida pela Des. Selene
Maria de Almeida, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região - TRF da 1ª
Região, nos autos do Agravo de Instrumento n° 2008.01.00.004474-1/RO.

A petição inicial relata que, na origem, o Ministério Público Federal
ajuizou ação civil pública, em face da União, para suspender, em sede de
tutela antecipada, a concorrência nº 1/2007, referente à concessão da
Floresta Nacional do Jamari/RO, bem como para que a então requerida se
abstenha de praticar quaisquer outros atos tendentes à formalização de outra
concorrência até decisão ulterior (fls. 51-62).

Em 17 de janeiro de 2008, o juízo da Segunda Vara Federal da Seção
Judiciária de Rondônia indeferiu a antecipação de tutela (fls. 40-47), sob o
fundamento de que a concorrência nº 1/2007 estaria respaldada na Lei nº
11.284/2006, que regula a gestão de florestas públicas para a produção
sustentável. Acrescentou que a Constituição Federal, em seu art. 225, não
vedaria a referida concessão, mas tão-somente limitaria a utilização do
meio-ambiente, impondo algumas restrições.

Por fim, o magistrado de primeira instância asseverou que a concessão em
exame não implicaria a transferência de domínio de área pública, uma vez que
a própria lei contraria essa afirmação, ao impor uma série de restrições
quanto ao uso da terra pública.

Contra essa decisão, o Ministério Público Federal interpôs agravo de
instrumento, com pedido de antecipação da tutela recursal, no TRF da 1ª
Região (fls. 23-39).

A relatora do agravo, Des. Maria Selene de Almeida, deferiu a antecipação de
tutela *"para sustar o processo de licitação da Floresta Nacional do Jamari
até que o Serviço Florestal Brasileiro obtenha autorização prévia do
Congresso Nacional, conforme determina o art. 49, XVII, da Constituição da
República" *(fls. 63-91).

A decisão impugnada fundamenta-se, em síntese, na suposta usurpação da
competência exclusiva conferida pelo art. 49, XVII, da Constituição Federal,
ao Congresso Nacional para aprovar a concessão de terras públicas com área
superior a dois mil e quinhen­tos hectares:

"A questão jurídica da submissão da concessão ao Congresso Nacional,
*ex vi*do art. 49, XVII, da Constituição, já foi matéria sujeita a
polêmica entre
os juristas, quando se verificou que o Projeto de Lei 4.776/05 não observava
a referida norma constitucional.

O Projeto de Lei 4776/2005 provocou muita polêmica entre ambientalistas,
governo e membros do Parlamento, exatamente por causa dessa omissão.

[...]

A r. decisão agravada partiu do pressuposto de que a Lei 11.284/06, que
retirou a possibilidade do Congresso Nacional examinar concessões de
florestas de grandes áreas, é constitucional.

Quanto ao argumento de que a lei presume-se constitucional, não se põe em
discussão que, realmente, a lei goza, no ordenamento jurídico, da presunção
de constitucionalidade, assim como o ato administrativo presume-se revestido
de legalidade. Também não é admissível que o magistrado afaste tais
presunções sem demonstração evidente, acima de qualquer dúvida razoável, de
que está patente a violação à Constituição. Por isso, na dúvida, a decisão
do juízo singular ou colegiado deve ser pela confirmação da
constitucionalidade da norma impugnada.

O Projeto de Lei que deu origem a Lei 11.284/06 não previa a aprovação do
Parlamento para a concessão da floresta com área superior a 2.500 hectares,
*ex vi* do art. 49, XVII, da Constituição Federal de 1988. No Senado
Federal, o projeto recebeu emenda para que se adequasse à Constituição no
particular. A circunstância de ter havido veto presidencial, por si só, não
transforma o texto inconstitucional em constitucional. A vontade do Poder
Executivo ou de quem quer que seja não tem o condão de alterar a natureza
das coisas. Do contrário, ter-se-ia a conclusão, oposta ao ordenamento
jurídico, de que em todo caso de ocorrência de veto nasceria uma presunção
absoluta da constitucionalidade da norma.

Por outro lado, é bizantina a distinção entre concessão de terra pública e
concessão florestal feita na decisão agravada. Concessão não é sinônimo de
alienação nem transferência de domínio. Não se conhece em sede de Direito
Administrativo a tese de que a concessão de bens, serviços ou terras
públicas, implique em transferência de domínio ou que concessão e alienação
de terras públicas tenham a mesma natureza jurídica.

A r. decisão agravada vale-se de um raciocínio falacioso porque a concessão
prevista no art. 49, XVII, da CF/88 não implica em alienação de propriedade.
Ademais, conforme destacado pelo Ministério Público Federal – agravante, são
bens imóveis o solo e tudo quanto lhe for incorporado natural ou
artificialmente.

A concessão é um ato administrativo pelo qual se institui um direito de uso,
de aproveitamento e exploração. Por meio da concessão se constitui um
direito real sobre coisas de domínio público. Contudo, é de sua essência a
revogabilidade. Não há transmissão do domínio pleno e a exploração que venha
a ocorrer será sempre limitada por esse domínio público.

A doutrina subdivide a concessão em duas modalidades: a de serviço público e
concessão dominial. A concessão de floresta pública seria dessa última
espécie, porque implica na outorga de um privilégio ao vencedor da licitação
sobre um bem imóvel da União.

O conteúdo dominial da concessão de floresta pública altera o princípio da
inalienabilidade do domínio público, mas não significa*, ipso facto*, em
transmissão da propriedade do bem do Estado. Como qualquer outra modalidade
de concessão, a de florestas públicas é passível de caducidade,
revogabilidade, tem profundas limitações quanto à disponibilidade, à forma
de uso, além de outros gravames impostos pelo Poder Público.

Inexiste na doutrina e na jurisprudência tese de que a concessão do domínio
público, qualquer que seja, afaste a soberania do Estado das áreas dadas em
concessão.

Em resumo, a exigência de apreciação da matéria *sub* *judice* é do
Congresso Nacional, pois a norma constitucional não faz distinção da
exigência seja para concessão ou alienação. Além disso, a concessão de
floresta é também uma espécie de concessão dominial, exatamente como
prevista na Constituição.

No caso, contudo, a presunção de legitimidade da norma jurídica, *data venia
*, não subsiste diante das disposições claras do legislador constituinte que
não permite que se conceda o uso de terras públicas com área superior a
2.500 hectares sem prévia anuência do Parlamento. A constituinte não faz
qualquer distinção entre alienação do domínio ou mera concessão. Quem
elabora a distinção, inexistente no texto da Constituição, é a r. decisão
recorrida.

Portanto, o pedido autoral tem fundamento constitucional legítimo, eis que a
retirada da competência exclusiva do Congresso Nacional para examinar sobre
a concessão de milhões de quilômetros de florestas públicas brasileiras é
uma afronta direta ao art. 49, XVII, da Constituição da República. O caso
não requer interpretação sutil, pois o texto da norma é de meridiana clareza
e sua violação pela Lei 11.284/06" (fls. 12 e 27/28).

É contra essa decisão que se insurge a requerente.

Conforme aduzido na inicial, além do presente pedido de suspensão de tutela
antecipada, a União pleiteou a reconsideração da decisão ora impugnada e,
alternativamente, a remessa dos autos à Quinta Turma do TRF da 1ª Região
para reexame da questão (fls. 92-131).

A requerente alega que a decisão impugnada constituiria grave lesão à ordem
pública.

Nesse sentido, aponta a dispensabilidade da submissão prévia ao Congresso
Nacional da aprovação da concorrência para concessão de florestas públicas,
*verbis*:

"Logo, a contracautela a ser buscada temporariamente (ou seja, até o
trânsito em julgado da ação) objetiva sustar a eficácia de decisão que
afronta não só disposições legais, mas também normas contidas no próprio
texto constitucional – arts. 49, XVII, e 225 –, e que, pois, desrespeita a
ordem público-administrativa traçada pelo constituinte originário.

No caso dos autos, observa-se que a decisão antecipatória que ora se
pretende suspender, ao sustar o processo de licitação da Floresta Nacional
do Jamari/RO até que o Serviço Florestal Brasileiro obtenha autorização
prévia do Congresso Nacional, violou tanto dispositivos da Constituição
Republicana (art. 49, XVII, e art. 225), como também a própria diretriz
contida na Lei nº 11.284/2006 (que disciplina, dentre outras matérias, a
gestão de florestas públicas para a produção sustentável).

[...]

Conforme se verifica da redação da norma acima transcrita [art. 10 da Lei nº
11.284/2006], o seu § 4º, que determinada a submissão prévia do PAOF à
apreciação do Congresso Nacional (nas hipóteses de concessões de florestas
públicas com área superior a 2.500 hectares), foi vetado pelo Presidente da
República, sob a justificativa de que *'o texto aprovado pelo Congresso
Nacional se contrapõe ao princípio apontado no inciso VII do art. 2º - que
diz: a garantia de condições estáveis e seguras que estimulem investimentos
de longo prazo no manejo, na conservação e na recuperação das florestas; uma
vez que determina sistemática de submeter o Plano Anual de Outorga Florestal
ao Congresso Nacional, o que vincula sua aprovação, inclusive, a
contingências* *políticas* *de curto prazo, além de criar novos processos
administrativos para a tramitação da matéria'.*

Dessa forma, quando a concorrência (processo licitatório) objetivar a
concessão de florestas públicas (exploração de produtos e serviços de uma
unidade de manejo), não se mostra indispensável a submissão prévia ao
Parlamento Nacional (como previsto no art. 49, XVII, da Constituição) para a
aprovação ou não de tal certame" (fls. 11 e 13").

Defende, assim, a inaplicabilidade do disposto no art. 49, XVII, da
Constituição Federal, às concessões florestais:

"A necessidade de aprovação do Congresso Nacional, prevista no art. 49,
inciso XVII, da Constituição de 1988, só deve ser aplicada nas hipóteses
taxativamente previstas no dispositivo, quais sejam, a de alienação ou
concessão de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos
hectares. Não se aplica, portanto, às concessões florestais previstas na Lei
nº 11.284, de 02 de março de 2006" (fl. 16).

Ademais, sustenta que *"a manutenção da decisão proferida no Agravo de
Instrumento nº 2008.01.00.004474-1/RO poderá servir de paradigma para que os
Juízos Federais de todo o país, em total desrespeito ao texto da
Constituição de 1988 e às políticas públicas elaboradas pelo Poder
Executivo, concedam liminares e determinem a suspensão (com a conseqüente
anulação) de futuros editais de concorrências destinadas à concessão de
florestas públicas no âmbito do território nacional" *(fl. 19).

Por fim, requer:

"seja suspensa a eficácia da decisão monocrática proferida pela
Desembargadora do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, nos autos do
Agravo de Instrumento nº 2008.01.00.004474-1/RO, tendo em vista a comprovada
lesão à ordem pública.

Requer, ainda, que o pedido seja processado e deferido, ainda que sobrevenha
acórdão na ação de origem ou a manutenção, por órgão colegiado do Tribunal
Regional Federal da 1ª Região, da medida de urgência ora impugnada, em ordem
a suspender a eficácia executiva da decisão até o trânsito em julgado da
decisão de mérito da ação de origem, tendo em vista o teor da Súmula nº 626
dessa Suprema Corte" (fls. 20/21).

Decido.

A base normativa que fundamenta o instituto da suspensão (Leis 4.348/64,
8.437/92, 9.494/97 e art. 297 do RI-STF) permite que a Presidência do
Supremo Tribunal Federal, para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à
segurança e à economia públicas, suspenda a execução de decisões concessivas
de segurança, de liminar ou de tutela antecipada, proferidas em única ou
última instância, pelos tribunais locais ou federais, quando a discussão
travada na origem for de índole constitucional.

Assim, é a natureza constitucional da controvérsia que justifica a
competência do Supremo Tribunal Federal para apreciar o pedido de
contracautela, conforme a pacificada jurisprudência desta Corte,
destacando-se os seguintes julgados: Rcl 497-AgR/RS, rel. Min. Carlos
Velloso, Plenário, DJ 06.4.2001; SS 2.187-AgR/SC, rel. Min. Maurício Corrêa,
DJ 21.10.2003; e SS 2.465/SC, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 20.10.2004.

Embora ainda não se tenha contemplado a questão com a necessária atenção, é
certo que se, de um lado, a transferência para o Superior Tribunal de
Justiça da atribuição para conhecer das questões relativas à observância do
direito federal acabou por reduzir a competência do Supremo Tribunal Federal
às controvérsias de índole constitucional, não subsiste dúvida de que, por
outro lado, essa alteração deu ensejo à Excelsa Corte para redimensionar o
conceito de *questão constitucional*.

O próprio significado do princípio da legalidade, positivado no art. 5.º,
II, da Constituição, deve ser efetivamente explicitado, para que dele se
extraiam relevantes conseqüências jurídicas já admitidas pela dogmática
constitucional.

O princípio da legalidade, entendido aqui tanto como princípio da supremacia
ou da preeminência da lei (*Vorrang des Gesetzes*), quanto como princípio da
reserva legal (*Vorbehalt des Gesetzes*), contém limites não só para o
Legislativo, mas também para o Poder Executivo e para o Poder Judiciário.

A idéia de supremacia da Constituição, por outro lado, impõe que os órgãos
aplicadores do direito não façam *tabula* rasa das normas constitucionais,
ainda quando estiverem ocupados com a aplicação do direito ordinário. Daí
porque se cogita, muitas vezes, sobre a necessidade de utilização da
interpretação sistemática sob a modalidade da interpretação conforme à
Constituição.

É de se perguntar se, nesses casos, tem-se simples *questão legal*, ou se o
tema pode ter contornos constitucionais e merece, por isso, ser examinado
pelo Supremo Tribunal Federal.

Ainda nessa linha de reflexão, deve-se questionar se a decisão judicial que
se ressente de falta de fundamento legal poderia ser considerada contrária à
Constituição, suscitando uma legítima *questão constitucional*.

Na mesma linha de raciocínio seria, igualmente, lícito perguntar se a
aplicação errônea ou equivocada do direito ordinário poderia dar ensejo a
uma *questão constitucional*.

Tal como outras ordens constitucionais, a Constituição brasileira consagra
como princípio básico o postulado da legalidade segundo o qual *"ninguém
está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de
lei"* (CF, art. 5.º, II).

O princípio da legalidade contempla, entre nós, tanto a idéia de *supremacia
da lei* (*Vorrang des Gesetzes*), quanto a de *reserva legal* (*Vorbehalt
des Gesetzes*).

O princípio da reserva legal explicita as matérias que devem ser
disciplinadas diretamente pela lei. Este princípio, na sua dimensão
negativa, afirma a inadmissibilidade de utilização de qualquer outra fonte
de direito diferente da lei. Na sua dimensão positiva, admite-se que apenas
a lei pode estabelecer eventuais limitações ou restrições.

Por seu turno, o princípio da supremacia ou da preeminência da lei submete a
administração e os tribunais ao regime da lei, impondo tanto a exigência de
aplicação da lei (*dimensão positiva*) quanto a proibição de desrespeito ou
de violação da lei (*dimensão negativa*).

A propósito, são elucidativas as lições de Canotilho:

"Em termos práticos, a articulação de suas dimensões aponta: (I) para a
exigência da aplicação da lei pela administração e pelos tribunais (cfr. CRP
arts. 206, 266/2), pois o cumprimento concretizador das normas legais não
fica à disposição do juiz (a não ser que as 'julgue' inconstitucionais) ou
dos órgãos e agentes da administração (mesmo na hipótese de serem
inconstitucionais); (II) a proibição de a administração e os tribunais
actuarem ou decidirem contra lei, dado que esta constitui um limite ('função
limite', 'princípio da legalidade negativa') que impede não só as violações
ostensivas das normas legais, mas também os 'desvios' ou 'fraudes' à lei
através da via interpretativa; (III) nulidade ou anulabilidade dos actos da
administração e das medidas judiciais ilegais; (VI) inadmissibilidade da
'rejeição' por parte dos órgãos e agentes da administração (mas já não por
parte dos juízes), de leis por motivo de inconstitucionalidade. Neste
sentido pôde um autor afirmar recentemente que o princípio da legalidade era
um 'verdadeiro polícia na ordem jurídica' (J. Chevallier)."

Problema igualmente relevante coloca-se em relação às decisões judiciais
que, por falta de fundamento legal, acabam por lesar relevantes princípios
da ordem constitucional.

Por exemplo, uma decisão judicial que, sem fundamento legal, afete situação
individual, revela-se igualmente contrária à ordem constitucional, pelo
menos ao direito subsidiário da liberdade de ação (*Auffanggrundrecht*).

Se se admite, como expressamente estabelecido na Constituição, que os
direitos fundamentais vinculam todos os poderes e que a decisão judicial
deve observar a Constituição e a lei, não é difícil compreender que a
decisão judicial que se revele desprovida de base legal afronta algum
direito individual específico, pelo menos o princípio da legalidade.

A propósito, assinalou a Corte Constitucional alemã:

"Na interpretação do direito ordinário, especialmente dos conceitos gerais
indeterminados (*Generalklausel*) devem os tribunais levar em conta os
parâmetros fixados na Lei Fundamental. Se o tribunal não observa esses
parâmetros, então ele acaba por ferir a norma fundamental que deixou de
observar; nesse caso, o julgado deve ser cassado no processo de recurso
constitucional" (*Verfassungsbeschwerde*) (BverfGE 7, 198 (207); 12, 113
(124); 13, 318 (325).

Não há dúvida de que essa orientação prepara algumas dificuldades, podendo
converter a Corte Constitucional em autêntico Tribunal de revisão. É que, se
a lei deve ser aferida em face de toda a Constituição, as decisões hão de
ter a sua legitimidade verificada em face da Constituição e de toda a ordem
jurídica. Se se admitisse que toda decisão contrária ao direito ordinário é
uma decisão inconstitucional, ter-se-ia de acolher, igualmente, todo e
qualquer recurso constitucional interposto contra decisão judicial ilegal.

Enquanto essa orientação prevalece em relação a leis inconstitucionais, não
se adota o mesmo entendimento no que concerne às decisões judiciais.

Por essas razões, procura o Tribunal formular um critério que limita a
impugnação das decisões judiciais mediante recurso constitucional. Sua
admissibilidade dependeria, fundamentalmente, da demonstração de que, na
interpretação e aplicação do direito, o Juiz desconsiderou por completo ou
essencialmente a influência dos direitos fundamentais, que a decisão se
revela grosseira e manifestamente arbitrária na interpretação e aplicação do
direito ordinário ou, ainda, que se ultrapassaram os limites da construção
jurisprudencial. Não raras vezes, observa a Corte Constitucional que
determinada decisão judicial afigura-se insustentável, porque assente numa
interpretação objetivamente arbitrária da norma legal (*Sie beruth vielmehr
auf schlechthin unhaltbarer und damit objektiv willkürlicher Auslegung der
angewenderen Norm*).

Essa concepção da Corte Constitucional levou à formulação de uma teoria
sobre os graus ou sobre a intensidade da restrição imposta aos direitos
fundamentais (*Stufentheorie*), que admite uma aferição de
constitucionalidade tanto mais intensa quanto maior for o grau de
intervenção no âmbito de proteção dos direitos fundamentais.

Embora o modelo de controle de constitucionalidade exercido pelo *
Bundesverfassungsgericht* revele especificidades decorrentes, sobretudo, do
sistema concentrado, é certo que a idéia de que a não-observância do direito
ordinário pode configurar uma afronta ao próprio direito constitucional tem
aplicação também entre nós.

Essa conclusão revela-se tanto mais plausível se se considera que, tal como
a Administração, o Poder Judiciário está vinculado à Constituição e às leis
(CF, art. 5.º, § 1.º).

Enfim, é possível aferir uma questão constitucional na violação da lei pela
decisão judicial. A decisão ou ato sem fundamento legal ou contrário ao
direito ordinário viola, dessa forma, o princípio da legalidade.

No presente caso, a controvérsia suscitada pela União diz respeito à lesão à
ordem pública, entendida como ordem administrativa, decorrente da violação a
dispositivos da Constituição da República (art. 49, XVII, e art. 225), que
dizem respeito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e,
principalmente, da Lei n° 11.284/2006, a qual disciplina a gestão de
florestas públicas para a produção sustentável.

A presença da questão constitucional, portanto, é evidente.

Feitas essas considerações preliminares, passo à análise do pedido, o que
faço apenas e tão-somente com base nas diretrizes normativas que disciplinam
as medidas de contracautela. Ressalte-se, não obstante, que, na análise do
pedido de suspensão de decisão judicial, não é vedado ao Presidente do
Supremo Tribunal Federal proferir um juízo mínimo de delibação a respeito
das questões jurídicas presentes na ação principal, conforme tem entendido a
jurisprudência desta Corte, da qual se destacam os seguintes julgados: SS
846-AgR/DF, rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 29.5.96; SS 1.272-AgR/RJ,
rel. Ministro Carlos Velloso, DJ 18.5.2001.

O art. 4º da Lei 8.437/92, c/c o art. 1º da Lei 9.494/97, autoriza o
deferimento do pedido de suspensão da execução da tutela antecipada
concedida nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a
requerimento da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de
manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar
grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

No caso, entendo que está devidamente demonstrado o risco de grave lesão à
ordem pública, entendida como ordem administrativa, no tocante ao regular
funcionamento dos serviços da Administração Pública e à normal execução das
atividades típicas do Estado-administração.

A decisão impugnada suspendeu o processo de concessão da Floresta Nacional
do Jamari-RO até que o Serviço Florestal Brasileiro obtenha autorização
prévia do Congresso Nacional.

Conforme demonstrou a Advocacia-Geral da União, *"quando a concorrência
(processo licitatório) objetivar a concessão de florestas públicas
(exploração de produtos e serviços de uma unidade de manejo), não se mostra
indispensável a submissão prévia ao Parlamento Nacional (como previsto no
art. 49, XVII, da Constituição) para a aprovação ou não de tal
certame"*(fl. 13).

Parece razoável, também, o argumento de que *"não se pode confundir a
concessão florestal com a concessão dominial (ou concessão de terras
públicas)"*. Segundo bem descreve a AGU, *"a primeira (concessão florestal),
nos termos da Constituição da República e da Lei n° 11.284/2006, não implica
a transferência da posse da terra pública, mas sim a delegação onerosa,
feita pelo poder concedente, do direito de praticar manejo florestal
sustentável para exploração de produtos e serviços numa unidade de manejo,
mediante licitação, à pessoa jurídica, em consórcio ou não, que atenda às
exigências do respectivo edital de licitação e demonstre capacidade para seu
desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado"* (fl. 15).

O processo de licitação para a concessão florestal está disciplinado pela
Lei n° 11.284, de 2 de março de 2006, a qual não exige a submissão do Plano
Anual de Outorga Florestal - PAOF à prévia aprovação do Congresso Nacional.
Ao contrário, conforme descreve a União, o § 4º do art. 10, *"que
determinava a submissão prévia do PAOF à apreciação do Congresso Nacional
(nas hipóteses de concessões de florestas públicas com área superior a 2.500
hectares), foi vetado pelo Presidente da República, sob a justificativa de
que 'o texto aprovado pelo Congresso Nacional se contrapõe ao princípio
apontado no inciso VIII do art. 2º - que diz: 'a garantia de condições
estáveis e seguras que estimulem investimentos de longo prazo no manejo, na
conservação e na recuperação das florestas'; uma vez que determina
sistemática de submeter o Plano Anual de Outorga Florestal ao Congresso
Nacional, o que vincula sua aprovação, inclusive, a contingências políticas
de curto prazo, além de criar novos processos administrativos para a
tramitação da matéria"*.

Ressalte-se que a questão relacionada à eventual inconstitucionalidade da
referida lei em relação ao art. 49, inciso VII, da Constituição da
República, é objeto da ADI n° 3.989/DF, Rel. Min. Eros Grau, e deverá ser
apreciada, no momento oportuno, por esta Corte.

Ademais, também está presente a probabilidade de concretização do denominado
"*efeito multiplicador*" (SS 1.836-AgR/RJ, rel. Min. Carlos Velloso,
Plenário, unânime, DJ 11.10.2001), ante a possibilidade de multiplicação de
medidas liminares em demandas que contenham o mesmo objeto.

Ante o exposto, defiro o pedido para suspender a execução da decisão
proferida pela Des. Selene Maria de Almeida, do Tribunal Regional Federal da
1ª Região - TRF da 1ª Região, nos autos do Agravo de Instrumento n°
2008.01.00.004474-1/RO.

Comunique-se, com urgência.

Publique-se.

Brasília, 5 de maio de 2008.

Ministro *GILMAR MENDES*

Presidente


(decisão publicada no DJE de 12 de maio de 2008).