Indígena
REGIÃO DA SERRA DA LUA
Comunidades indígenas racham com o CIR
Tuxaua da comunidade Canauani, Ivônio da Silva Souza: “A gente reconhece o grande valor que foi o CIR”
VANESSA LIMA
As 18 comunidades indígenas da região Serra da Lua, segunda maior região indígena do estado, localizada nos municípios do Cantá e Bonfim, decidiram que vão se desligar do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e fundar uma nova associação para defender os direitos dos cerca de sete mil índios que vivem nas reservas indígenas da região demarcadas em ilhas.
A decisão foi deliberada pelas comunidades na 28ª Assembleia Geral das Lideranças da Serra da Lua, realizada no mês de novembro, na comunidade Malacacheta. Segundo o tuxaua da comunidade Canauani, Ivônio da Silva Souza, vários motivos levaram as lideranças indígenas a chegarem ao entendimento.
Desde a criação do CIR, as comunidades da Serra da Lua foram filiadas. Tuxauas antigos da região ajudaram a fundar a entidade indígena junto com outras lideranças do estado, com objetivo principal de lutar pela demarcação das terras indígenas em Roraima.
Mas, conforme o tuxaua Ivônio, uma vez que as metas foram alcançadas, ao longo do tempo, o CIR direcionou suas atenções para outro lado, passou a ter outras prioridades. “Não estão mais atendendo aos anseios das comunidades, principalmente das regiões Taiano, Amajari, Surumú, Uai-Uai e Yanomami”, destacou.
O descontentamento das lideranças da Serra da Lua é que o CIR deixou de desenvolver projetos dentro das comunidades, principalmente os que são ligados ao autossustento das famílias indígenas dentro das reservas.
“Tem muita terra e não está sendo investido em projetos para que possamos desenvolver a agricultura e produzir para o nosso sustento, e até para abastecer o comércio local. A gente precisa produzir nossa alimentação”, disse Ivônio.
Os recursos que chegam para o Conselho Indígena, principalmente os recursos oriundos do governo federal, nunca são destinados a investimentos nas comunidades da região. “Nunca recebemos recursos que vem para o CIR. Só para se ter uma ideia, com a última festa que ocorreu no Maturuca, foi gasto quase R$ 1 milhão. Este valor poderia estar sedo dividido entre as outras regiões para a sobrevivência das comunidades”, ponderou Ivônio.
O tuxaua, que fala em nome de todas as lideranças da Serra da Lua, disse que o CIR está centralizado em uma única região, que é a Raposa Serra do Sol. “Todas as atenções estão voltadas pra lá”, afirmou.
Além disso, ao longo de muitos anos, alguns coordenadores do órgão indigenista não souberam administrar os recursos e as comunidades é que acabaram tendo que pagar as dívidas deixadas pelos ex-administradores. Segundo o tuxaua Ivônio, até dívidas trabalhistas os indígenas estão tendo que sanar.
As comunidades da região Serra da Lua também não concordam com a política interna de controle do CIR, que está centralizada na região Serras, mais especificamente no Maturuca. A região indígena é a maior do estado com uma estimativa de 230 comunidades.
“Na época da eleição para a escolha do coordenador do CIR, toda a articulação é feita na região. Não temos participação efetiva na escolha e acreditamos que isso nunca vá mudar porque é uma articulação interna deles”, contou o tuxaua.
Por estas e outras questões levantadas durante a assembleia é que as lideranças das comunidades presentes decidiram criar uma associação específica para a Serra da Lua. A ideia é seguir o exemplo dos povos Yanomami - que criaram a Hutukara Associação Yanomami - e Uai-Uai - que têm uma associação em processo de criação.
A decisão foi registrada em ata, com a assinatura de todas as lideranças indígenas. As articulações agora giram em torno da estruturação do estatuto e da parte de administração da associação, que ainda não tem nome definido.
“O foco principal da associação vai ser a obtenção de recursos para o desenvolvimento de projetos sustentáveis, econômicos e culturais para as comunidades”, destacou o tuxaua Ivônio.
Toda a documentação de criação da associação será apresentada ao Conselho Indígena, inclusive a decisão das comunidades formalizada. A expectativa é que, em no máximo dois anos, a entidade representativa da Serra da Lua esteja em pleno funcionamento.
“A gente reconhece o grande valor que foi o CIR, somos gratos porque foram anos de luta e que chegaram a um bom resultado. Mas as lideranças entendem que estão excluídas da política atual do órgão indígena”, concluiu Ivônio da Silva.
(Fonte: Jornal Folha de Boa Vista, de 7 de dezembro de 2010).
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