Os estudos direcionados à realidade amazônica são maximizados com o Pacto Amazônico, considerando-se que os temas do Tratado refletem as necessidades mais imediatas da região, a exigir tratamento jurídico especializado: direito ecológico; direito agrário; direito indígena; direito minerário; direito da navegação (fluvial); direito do comércio exterior; e, direito comunitário. Dai a denominação direito amazônico. Interpretar e aplicar o direito de acordo com o contexto regional.

sexta-feira, agosto 29, 2008

Indígena

RAPOSA SERRA DO SOL - Voto de relator surpreende parlamentares roraimenses.

(ÉLISSAN PAULA RODRIGUES)

Após a suspensão da ação sobre a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, que começou a ser julgada na última quarta-feira no Supremo Tribunal Federal (STF), devido a um pedido de vistas do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, parlamentares de Roraima se manifestaram surpresos com o andamento da questão. O relator da matéria, ministro Carlos Ayres Britto, foi favorável à manutenção do decreto presidencial que define os limites da reserva indígena.

Para o senador Augusto Botelho (PT), o voto de Ayres Britto foi “lastimável”. “Nada mudou em relação aos direitos que são desrespeitados há 30 anos em nosso Estado. As famílias que foram colocadas para fora de suas terras após a homologação de áreas indígenas ainda não receberam indenizações e nem foram reassentadas”, afirmou.

Botelho disse que esperava que o Supremo levasse esses fatos em consideração. “Os ministros são conhecedores da situação e esperávamos que tivessem alguma solução para sanar essa dívida que a nação tem com essas pessoas. Em Roraima, ninguém é contra a demarcação de terras indígenas, mas somos contra a forma como são feitas e principalmente como os índios são tratados, abandonados após as demarcações pelo Governo Federal e pelas Organizações Não-Governamentais”, comentou. Ele disse ainda ter esperança de que o julgamento tome novo rumo. “Um outro ponto que tenho colocado em debate é que as áreas das reservas deveriam ser definidas conforme as etnias e comunidades”, concluiu o senador.

O deputado Neudo Campos (PP) disse que a situação, após o voto do ministro relator, é preocupante. “Não gostaria de ter que dizer isso, e torço para que seja diferente, mas a decisão foi muito forte e, pessoalmente, tenho poucas esperanças de que os votos sejam revertidos a favor da demarcação de forma não-contínua”, disse.

Ainda de acordo com Neudo, o fato de o ministro ter destacado a retirada de todos os não-índios da região, não deveria ser acatado porque vai provocar um isolamento das comunidades. “Estou sempre lembrando a fala de um tuxaua, proferida durante um evento, que disse que não gostaria de voltar ao passado, regredir, de ter que andar sem roupas”, salientou.

A deputada Maria Helena Veronese (PSB) admitiu estar decepcionada com a decisão de Ayres Britto. “Como um ministro que esteve visitando a área e que sabe que teríamos como resolver a questão sem conflitos, e ainda que tem conhecimento que muitas dessas áreas não são originalmente indígenas, como determina a legislação, me decepcionou bastante porque a imagem que tenho dele é de um estudioso, que respeita o direito pátrio”, declarou.

Ainda assim, ela disse que a questão não está decidida, podendo haver mudanças. “Foi um choque para a população de Roraima um voto tão contundente, que desconsiderou os moradores de todo o Estado. Um dia vamos precisar da área para a construção de uma hidrelétrica e fazer acontecer isso dentro de uma reserva indígena será ainda mais complicado. Não podemos pensar apenas no presente, mas daqui a 50, 100 anos”, argumentou.

Para o deputado do DEM, Chico Rodrigues, o julgamento foi uma “surpresa brutal”. “O parecer de Ayres Britto me surpreendeu pela radicalização do seu voto e no meu entendimento o total desconhecimento fático da realidade vivida no Estado”, criticou.

Sobre suas expectativas, enfatizou a esperança no voto dos outros ministros. “Espero que, como em outras ocasiões, os demais ministros não acompanhem o voto do relator. Se isso ocorrer, será bom para o Estado e para o Brasil. Caso contrário, será uma lástima para a democracia e para a garantia da soberania nacional sobre a Amazônia”, ponderou.

O deputado Márcio Junqueira (DEM) disse entender que o voto de Ayres Britto foi muito duro com Roraima. “O voto surpreendeu pela forma incisiva como atacou o Estado, como se não fôssemos crescer, como se aqui ninguém trabalhasse. Quando ele disse que Roraima vive apenas de repasses federais e que 90% dos políticos locais não são de Roraima, tornou seu voto muito personalizado”, analisou.

Junqueira afirmou estar confiante no julgamento. “A Suprema Corte fará justiça em relação a todos os brasileiros, índios e não-índios. O direito dos sem-terra, dos quilombolas é preservado, e onde fica o direito dos produtores, que também são brasileiros?”, indagou o parlamentar.

Para Urzeni Rocha (PSDB), o momento é de manter o otimismo. “Concordo com o governador Anchieta Júnior, o jogo continua, e só está começando. Vamos intensificar o trabalho para mostrar aos demais ministros da Suprema Corte, para o Brasil, e para o mundo a verdadeira realidade do nosso Estado”.

Para o deputado Luciano Castro (PR), a área demarcada deveria ser revista. “O relator manteve a imensa área contínua para o desalento da grande maioria da população de Roraima, mas ainda está por vir um julgamento longo, haja vista a complexidade e importância do assunto”, disse o parlamentar.

Ministro Direito é amazônida de nascimento e católico fervoroso

Carlos Alberto Menezes Direito, que pediu vista do processo sobre a Raposa Serra do Sol, foi empossado ministro no Supremo Tribunal Federal (STF) em 2007 e apesar de ter feito graduação e doutorado na PUC do Rio de Janeiro, nasceu em Belém, no vizinho Estado do Pará.

O ministro, como a maioria dos juízes do STF, não é juiz da carreira, ou seja, não se submeteu a concurso como a maioria dos magistrados, mas ingressou na carreira através do Quinto Constitucional na vaga dos advogados do Tribunal de Justiça do Rio.

Antes de ocupar o cargo de desembargador no TJ carioca, exerceu cargos políticos como de secretário de Educação do Estado do Rio de Janeiro, presidente da Casa da Moeda no governo Sarney, chefe de gabinete do prefeito do Rio e chefe de gabinete do ministro de Estado de Educação e Cultura.

É autor de vários livros jurídicos e, antes de tomar posse como ministro, examinou um processo contra o presidente Lula em que este havia sido condenado no pagamento de uma indenização ao ex-prefeito da cidade de Campinas, confirmando as decisões de primeiro e segundo graus que lhe determinavam o pagamento de uma indenização que, em valores atualizados, chega a quase R$ 80 mil.

Católico fervoroso, é casado e tem três filhos, conta com o apoio da alta hierarquia da igreja. Ministro influente e com grande capacidade de expressão, Direito tem destacado reconhecimento nas áreas de processo civil e direitos autorais. É conhecido por atender bem os advogados e por relatar casos sem a necessidade de ler.

(Fonte: Jornal Folha de Boa Vista, de 29 de agosto de 2008).