Os estudos direcionados à realidade amazônica são maximizados com o Pacto Amazônico, considerando-se que os temas do Tratado refletem as necessidades mais imediatas da região, a exigir tratamento jurídico especializado: direito ecológico; direito agrário; direito indígena; direito minerário; direito da navegação (fluvial); direito do comércio exterior; e, direito comunitário. Dai a denominação direito amazônico. Interpretar e aplicar o direito de acordo com o contexto regional.

quinta-feira, agosto 28, 2008

Indígena

RAPOSA SERRA DO SOL - Pedido de vista acirra ânimo no Surumu.

Manifestantes contra a homologação ficaram agitados depois do voto do relator.

(ANDREZZA TRAJANO)

Depois do pedido de vista que suspendeu o julgamento sobre a Raposa Serra do Sol no Supremo Tribunal Federal (STF), índios e não-índios contrários à demarcação em área contínua realizaram diversas manifestações na Vila Surumu, entrada principal para a reserva indígena.
Antes de o julgamento ser suspenso, o clima ontem na Vila Surumu, a 126 quilômetros de Boa Vista, era de tranqüilidade. Até então, as lideranças indígenas contrárias e favoráveis à demarcação de uma área de 1,7 milhão de hectares haviam registrado no início da manhã pequenas manifestações, porém todas pacíficas.
Nas primeiras horas da manhã, cerca de 800 índios do Conselho Indígena de Roraima (CIR), que exigem o cumprimento do decreto presidencial homologado em 2005, realizaram uma passeata. Vestidos tradicionalmente, eles caminharam em direção à antiga Missão Surumu cantando na língua materna e gritando palavras de ordem a favor da demarcação contínua.
Em seguida, foram até a quadra esportiva da vila, onde afixaram faixas, cartazes e placas do Governo Federal informando a posse da terra. Ainda dançaram, cumpriram rituais indígenas e realizaram um momento religioso.
Do outro lado, quase que ao mesmo tempo, aproximadamente 200 pessoas entre índios membros da Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima (Sodiur) e da Aliança de Desenvolvimento dos Povos Indígenas de Roraima (Alidicir) e não-índios moradores da vila e da sede do Município de Pacaraima realizaram um protesto em cima da ponte sobre o rio Surumu. Eles hastearam a bandeira do Brasil, cantaram o Hino Nacional e fizeram uma oração evangélica. Eles pedem a demarcação em ilhas, deixando de fora vilas, áreas de produção e regiões turísticas da área homologada.
Ambas as partes interessadas acompanhavam o julgamento do STF. Quando o ministro Ayres Britto, relator dos processos que contestam o decreto presidencial leu seu voto, os índios do CIR vibraram enquanto os demais se calaram. Mas quando o ministro Menezes Direito pediu vista, a esperança de quem pede a demarcação em ilhas recrudesceu.

Policiais acalmam ânimo de manifestantes

Após o pedido de vista, índios e não-índios contrários à demarcação em área única soltaram fogos e saíram em carreata até a ponte sobre o rio Surumu. Outros corriam pelas ruas da vila carregando bandeiras do Brasil. Para quem achava que tudo estava perdido, apostou no adiamento da decisão como uma vitória.

Com a manifestação, índios membros do Conselho Indígena de Roraima se aproximaram. Com o clima tenso, agentes da Polícia Federal, acompanhados de soldados da Força Nacional de Segurança e servidores da Funai, pediram calma aos manifestantes. Também conversaram com os índios ligados ao CIR para que não entrassem em confronto com os manifestantes.

Para a segunda-tuxaua da Sodiur, Deise Rodrigues, o voto do ministro relator, Ayres Britto, favorável à demarcação em área contínua, foi frustrante. “Foi uma decepção, até porque no nosso entender ele também seria favorável aos brasileiros. Embora o ministro tenha formação superior, ele não conhece a realidade a qual está julgando, uma vez que ratificou o laudo antropológico, que para nós é falso”, criticou.

Já o pedido de vista do ministro Direito foi uma luz no fim do túnel. “Para nós foi momentaneamente uma vitória. A esperança aumenta, pois no momento que o Ayres Britto disse que todos os não-índios teriam que sair, o chão fugiu dos nossos pés. Aí veio a pessoa que teve o bom senso e pediu vista”, argumentou.

Martinho Macuxi, coordenador do “Movimento Raposa Serra do Sol” do CIR, disse que esperava a decisão final ainda ontem, mas que aguardará em paz o retorno do julgamento.

“Somos daqui, da nossa terra, vamos permanecer aqui e acompanhar [o retorno do julgamento]. O que a gente espera é que seja resolvido da forma que estamos esperando. Isso [pedido de vista] não assusta ninguém, já estamos acostumados com 30 anos de luta. Não vamos diminuir nossa mobilização”, frisou.

Enquanto a “vitória não vem”, Macuxi disse que o momento é de pedir paciência ao seu povo. Entretanto, segundo ele, o voto do ministro relator, Ayres Britto, pela permanência em área contínua, os coloca um passo à frente na decisão final. “Nosso sonho é ter essa vitória e o voto do ministro demonstra que vamos conquistá-la”, ressaltou.

Índios assistem transmissão do julgamento por TV a cabo

Quem acha que morar em terra indígena é viver no isolamento está enganado. No meio do lavrado, em frente da Subprefeitura de Pacaraima, na Vila Surumu, índios da Sodiur e não-índios assistiam ao vivo, por meio da TV a cabo, a transmissão do julgamento do Supremo Tribunal Federal pela TV Justiça.

Vestidos com blusas nas cores da bandeira brasileira – verde e amarela – debatiam, criticavam, se emocionavam, a cada palavra das autoridades presentes a apreciação da ação cautelar que pede o cancelamento da homologação contínua da área de 1,7 milhão de hectares, correspondente a 7% do território de Roraima.

“Estamos acompanhando atentos. Estamos também vestidos a caráter, pois antes de sermos índios, somos brasileiros”, enfatizou a segunda tuxaua da Aliança de Desenvolvimento dos Povos Indígenas de Roraima (Alidicir), a índia Baré Deise Rodrigues.

Já o coordenador regional do CIR, Valter de Oliveira, acompanhou o julgamento pelo rádio, por telefone em contato com a coordenação-geral do CIR que fica em Boa Vista, e em telejornais nacionais.

Segurança é reforçada em Surumu

A segurança reforçada na região pela Polícia Federal, Força Nacional de Segurança e servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) contribuiu para manter a paz na área, principalmente no momento de tensão. O efetivo de ontem estava preparado para conter qualquer conflito na região, segundo os mesmos informaram.

Cento e cinqüenta policiais federais patrulhavam na região, entre agentes caracterizados e outros a paisana. Também estava presente o Pelotão de Choque da Força Nacional, com 30 homens.

De acordo com o capitão Elvis Murilo, outros 30 soldados permaneciam de sobreaviso na sede de Pacaraima. Os policiais portavam escudos e armas não-letais. Helicóptero da PF fazia sobrevôos.

O reforço no efetivo da Funai também era evidente. Dezesseis servidores acompanhavam as atividades de índios e não-índios na região.

(Fonte: Jornal Folha de Boa Vista, de 28 de agosto de 2008).