Os estudos direcionados à realidade amazônica são maximizados com o Pacto Amazônico, considerando-se que os temas do Tratado refletem as necessidades mais imediatas da região, a exigir tratamento jurídico especializado: direito ecológico; direito agrário; direito indígena; direito minerário; direito da navegação (fluvial); direito do comércio exterior; e, direito comunitário. Dai a denominação direito amazônico. Interpretar e aplicar o direito de acordo com o contexto regional.

quarta-feira, outubro 29, 2008

Fundiário: Terras de Roraima

TERRAS DE RORAIMA:FAIXA DE FRONTEIRA
Gursen De Miranda

A questão sobre as terras de Roraima - que muito tem “tirado o sono” de governantes e governados na terra de Macunaima - por qualquer via a ser abordada, passa, necessariamente, dentre outras, por duas abordagens em nível constitucional: primeiro, a largura da faixa de fronteira; segundo, a quem pertence as terras devolutas nessa faixa de fronteira.
A Constituição da República, de 1988, na forma do §2º, do artigo 20, estabelece que “a faixa de até cento e cinquenta quilometros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei” (sem grifos no original).
A teor da norma constitucional a afirmação que a faixa de fronteira é de 150 quilometros de largura tenho como precipitada. A regra inserta na Constituição está expressa em “faixa de até cento e cinquenta quilometros” (sem grifos no original). Valendo-me apenas do elemento gramatical de interpretação em direito, permito-me afirmar que a faixa pode ser de 0 a 150 quilometros, considerando que o texto constitucional estabelece “até” (opção) e não “de” (imposição) 150 quilometros de largura (o texto do artigo 1º, da Lei Nº 6.634/1979, anterior a CF/88, expressa “de”), ou seja, a regra constitucional leva à compreensão da possibilidade de faixa de fronteira com largura inferior a 150 quilometros.
Transversalizando por elementos históricos, lembro que a Lei de Terras do Império (Lei Nº 601, de 1850: art. 1º) definiu a faixa de fronteira em 10 léguas (66 quilometros) de largura. A cultural constitucional brasileira sedimentou o instituto, ampliando a largura da faixa: Constituição de 1934, artigo 166 (100 quilometros); Constituição de 1937, artigo 165 (150 quilometros); Constituição de 1946, artigo 18, § 1º, c/c, artigo 34, inciso II (150 quilometros); Emenda Constitucional Nº 1 de 1969, artigo 153, §§ 3º e 22. (150 quilometros)

De outra forma, a Constituição define que “são bens da União ... as terras devolutas inspensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à perservação ambiental, definidas em lei” (sem grifos no original) (CF/88: art. 20, inc. II). E somente estas, quando definidas em lei.
Históricamente, porém, as terras devolutas pertencem aos Estados, como elemento definidor do federalismo brasileiro, como bem sustentou Júlio de Castilhos, para fazer aprovar sua emenda (artigo 64, da primeira Constituição Republicana, de 1891: “pertencem aos Estados as ... terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios...”).
A tradição constitucional brasileira no fortalecimento do sistema federal mantém até os dias atuais essa orientação, com o registro que a Constituição de 1937 não incluiu as terras devolutas entre os bens da União sob nenhuma forma. A Constituição de 1988 segue essa compreensão ao estabelecer que “incluem-se entre os bens dos Estados ... as terras devolutas não compreendidas entre as da União” (CF/88: art. 26, inc. IV).
Nesse passo, retirar as terras devolutas dos Estados seria atentar contra a “forma federativa de Estado” no Brasil, insculpida como cláusula pétrea pelos Constituintes de 1988 (CF/88: art. 60, § 4º, inc. I). Certamente, o legislador constitucional visou uma democracia federativa da essencia de um Estado democrático.
Aliás, seguindo a sistemática constitucional se dessome que a União deve justificar seu interesse e necessidade sobre áreas específicas contidas na faixa de fronteira (CF/88: art.20, inc. II, c/c, §2º). Para além dos argumentos expendidos em linhas volvidas, destaco que a Constituição Federal não define como bem da União a “faixa de fronteira”, a teor das disposições insertas nos onze incisos do artigo 20.
Portanto, considerando a razoável compreensão de interpretação constitucional, posso afirmar que as terras devolutas localizadas na faixa de fronteira nos limites do território do Estado de Roraima pertencem ao Estado de Roraima, certamente, excluindo-se as terras de interese e necessidade da União, estas a serem definidas e reguladas em lei. Seria a efetividade do pluralismo inerente ao constitucionalismo contemporâneo (CF/88: preâmbulo).
É minha compreensão, considerando que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado de Direito Social Democrático.