Os estudos direcionados à realidade amazônica são maximizados com o Pacto Amazônico, considerando-se que os temas do Tratado refletem as necessidades mais imediatas da região, a exigir tratamento jurídico especializado: direito ecológico; direito agrário; direito indígena; direito minerário; direito da navegação (fluvial); direito do comércio exterior; e, direito comunitário. Dai a denominação direito amazônico. Interpretar e aplicar o direito de acordo com o contexto regional.

segunda-feira, novembro 03, 2008

Amazônia: federalismo


Federalismo cultural brasileiro

Gursen De Miranda[1]

A cultura constitucional brasileira traz o seu federalismo sob o nomenclatura da cultura constitucional norte-americana, mas dessemelhante na formação. No Brasil, o federalismo surgiu de Estado Unitário – no período do Império - que se transformou no Estado Federal – com a República. Portanto, não foram os Estados componentes que criaram a Federação, o Estado Federal foi criado por decreto. Seria o chamado “federalismo de imitação”, na expressão de JORGE MIRANDA (Manual..., III, p. 293). A estrutura jurídica do Brasil, como Estado Federal, repousa na Constituição Federal, na competência federal e na ordem jurídica dos Estados federados.

A Constituição Brasileira, de 1988, manteve a forma de Estado Federal, expressamente no artigo 1°: República Federativa do Brasil. Traz o federalismo brasileiro, todavia, a peculiaridade de ser formado pela “união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal”.

Em verdade, historicamente, a população brasileira sempre foi dispersa de forma desigual pelo imenso território – algumas vezes sem ligação natural -, todavia, mantinha certa semelhança em todos os lugares do país – por força da ascendência -, porém, com marcante característica regional – em decorrência da predominância nos cruzamentos, no habitat e nos componentes políticos, sociais, econômicos e culturais. Prevalecia a uniformidade brasileira na diversidade regional. Não por acaso, sempre “o Brasil foi tratado como uma pluralidade de regiões autônomas”, no dizer de PEDRO CALMON (v. Curso de direito público, p. 333), desde a fase das capitanias hereditárias (o Brasil foi dividido por quinze Capitanias; o Estado do Grão-Pará por nove), com seus municípios e governo-geral, responsável pela administração em nome do Rei, pois, o poder político na colonia portuguesa era fragmentado e disperso, culminando com a divisão do Estado do Brasil e criação do Estado do Maranhão, em 1621, depois Estado do Grão-Pará.

Essa diversidade cultural e regional (Os Estados eram divididos em Capitanias e, estas, divididas em Comarcas, Distritos, Termos, cada qual com seus órgãos, autoridades e burocrácia) levou à eclosão de vários movimentos políticos de reconhecimento do poder regional, alguns de cunho separatista e anti-nacionais, outros com a bandeira federalista e republicana (Confederação do Equador, em Pernambuco, 1824; Cabanagem, na Amazônia, 1835; Farroupilha, no Rio Grande do Sul, 1835...).

Ocorria que, as Províncias estavam totalmente subordinadas ao Poder central, que escolhia e nomeava o presidente da Província, o chefe de polícia, o juiz de direito e o promotor público, em muitos casos contrários aos intereses regionais. Mais: o Poder Central passou a controlar a Guarda Nacional (1850) e interferia em órgãos regionais, com anulação de eleições de vereadores municipais e juízes de paz, além de suspender resoluções das Assembléias provinciais (cf. OLIVEIRA VIANNA. Evolução do povo brasileiro, p. 260). A centralização do Poder na Monarquia, controlado pelos “paulistas”, de certa forma, acentuou as desigualdades existentes e fortaleceu o poder político e a identidade cultural nas Províncias (JORGE MIRANDA aponta o Brasil - na época do Império, após a revisão da Constituição em 1834 - como exemplo de Estado regional integral, considerando que todo o território do país se dividia em regiões autônomas – v. Manual..., III, p. 278).

Durante o 2º Império, no Brasil, a diversidade cultural e regional continuou, mesmo depois de instaurado o parlamentarismo, com a criação da presidência do Conselho de Ministros (1847). A Amazônia, todavia, continou a ser ignorada pelo Poder Central, destacadamente, por sua origem histórica. As instituições da monarquia de concepção européia, naturalmente entraram em descompasso com a realidade brasileira, com geografia e história dessemelhante.

O panorama, à época, favoreceu à Proclamação da República, mais pela vontade de descentralização do Poder - com o federalismo como princípio constitucional de estruturação do Estado, considerando-se a cultura peculiar das Províncias -, que pelo desprestígio da monarquia. PEDRO CALMON (op. cit., p. 195) registra que o “Manifesto Republicano”, de 1870, destacava as realidades regionais contra uma centralização artificial, tanto que as Províncias não articularam nenhum movimento contrário e imediatamente aderiram à República.

RUY BARBOSA foi o grande mentor dessa transformação político-jurídica no Brasil. Os republicanos brasileiros adotaram o federalismo (o poder central dividiu seu poder, para se fortalecer politicamente, definindo uma pluralidade federal ), as Pronvíncias passaram a Estados (Federados) e adquiriram autonomia com governo responsável, mantidos o liberalismo – da cultura constitucional francesa - e a separação de poderes (executivo, legislativo, judiciário), conforme MONTESQUIEU, não podendo o parlamento demitir ministros (superando o poder moderador do Império concebido por BENJAMIN CONSTANT).

Todavia, como Estado Federal, o Brasil é unitário no seu único território e na sua população. Formado pela união dos territórios dos Estados-Membros é submetido ao poder da União no exercício da competência federal, com a população formando um único corpo nacional, pois regida pela Constituição e legislação federais (Cf. SILVA, José Afonso da. Curso..., p. 89). O pacto federativo brasileiro, assim, traz a unidade do Estado, traz a unidade nacional formada pelo sentimento de nacionalidade, de brasilidade, tendo como base a identidade lingüística, a língua portuguesa (v. CF/88: art. 13).

A unidade do Brasil como Estado Federal a ser mantida com o fortalecimento das regiões, onde realidade brasileira se faz presente, no campo material, necessita, assim, de sua elevação ao campo formal, como prioridade na agenda de governo, nomeadamente pela problemática da Amazônia, conforme pregação de PAULO BONAVIDES (v. Teoria constitucional..., p. 98). A dimensão histórica e social, mais, ainda, a cultural, são definidoras.


[1] Juiz de Direito do Estado de Roraima. Professor da Universidade Federal de Roraima.