Os estudos direcionados à realidade amazônica são maximizados com o Pacto Amazônico, considerando-se que os temas do Tratado refletem as necessidades mais imediatas da região, a exigir tratamento jurídico especializado: direito ecológico; direito agrário; direito indígena; direito minerário; direito da navegação (fluvial); direito do comércio exterior; e, direito comunitário. Dai a denominação direito amazônico. Interpretar e aplicar o direito de acordo com o contexto regional.

quinta-feira, março 19, 2009

Cultural


IV ENCONTRO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DO PATRIMÔNIO CULTURAL


CARTA DE OURO PRETO

Os representantes do Ministério Público Federal e Estaduais, os representantes dos
demais órgãos públicos vinculados à proteção do patrimônio cultural e os integrantes
da sociedade civil presentes no IV Encontro Nacional do Ministério Público de Defesa
do Patrimônio Cultural realizado nos dias 11, 12 e 13 de março de 2009 na cidade de
Ouro Preto, MG, Monumento Nacional e Patrimônio Cultural da Humanidade, sob os
auspícios da Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente,
ratificando as conclusões dos Encontros de Goiânia, Santos e Brasília, votam e
aprovam as seguintes conclusões:

1) Devido ao tratamento constitucional recebido pelo patrimônio cultural, o mesmo
regime jurídico aplicável constitucionalmente aos bens ambientais naturais será
aplicável aos bens culturais.

2) A partir da CF/88 qualquer discussão que envolva o patrimônio cultural deve
envolver a participação popular, porque o patrimônio cultural não é mais restrito
aos bens alusivos ao Estado, às elites, à história dos vencedores, mas também
envolve a história dos menos favorecidos, dos homens comuns.

3) O Poder Judiciário necessita de melhor aparelhamento, estruturação e
aperfeiçoamento para cumprir efetivamente com o seu mister de defender o patrimônio
cultural, sendo desejável, inclusive, a criação de Varas Especializadas na defesa do
patrimônio cultural.

4) Somente podem ser consideradas e protegidas como patrimônio cultural imaterial
as práticas compatíveis com os direitos humanos, de acordo com as normativas
internacionais.

5) O tombamento é um instrumento incompatível com a natureza do patrimônio
cultural imaterial por sua essência dinâmica, mutável, podendo ser objeto de
proteção por outros meios adequados já previstos no ordenamento jurídico pátrio.

6) Para fins de reconhecimento de um bem como sendo integrante do patrimônio
cultural da Nação, a relevância brasileira não se identifica com a nacional e
compreende todos os valores integrantes dos diferentes povos que integram a
sociedade brasileira.

7) A cultura se determina pela vida e não por fronteiras político-geográficas, por
isso deve ser tutelada de acordo com a avaliação estimativa das comunidades das
quais emana.

8) Estados, municípios e territórios devem também ter suas leis próprias a
respeito da tutela do patrimônio cultural imaterial.

9) O Decreto 6.514/08 e a Lei 9605/98 devem ser aperfeiçoados para melhor
tutelarem o patrimônio cultural imaterial.

10) Os operadores jurídicos envolvidos com a tutela do patrimônio cultural
devem ter uma ampla formação humanista para atuarem na tutela aos direitos difusos
e, em especial, dos bens dotados de valor cultural.

11) A proteção do patrimônio cultural imaterial carece de políticas públicas
que fomentem sua efetiva preservação.

12) O patrimônio cultural pode ser protegido por lei, ato administrativo ou
decisão judicial. Tanto isso é verdade que a Lei 9.605/98 criminalizou agressões a
bens protegidos por essas três vias.

13) O TAC e a recomendação são instrumentos de tutela preventiva por meio
dos quais se busca que o interessado reconheça a inadequação de sua conduta e, em
assim o fazendo, procure ajustá-la às exigências legais.

14) A recomendação pode ser usada como forma de controle preventivo da
constitucionalidade.

15) O TAC e a recomendação permitem a incorporação das cartas internacionais
em prol do patrimônio cultural.

16) Tanto o TAC como a recomendação, sendo instrumentos administrativos, são
hábeis a tutelarem o patrimônio cultural, podendo gerar inclusive as penas do art.
62 e 63 da Lei 9605/98, em caso de seu descumprimento.

17) A educação patrimonial é um processo de alfabetização cultural, devendo
ser exercida de forma permanente e sistemática centrada no patrimônio cultural.

18) A transversalidade deve permear o processo contínuo de educação
patrimonial.

19) A criação de centros regionais de cultura e de organizações civis de
interesse público pode ser de grande valor na defesa do patrimônio cultural, por
aglutinarem pessoas em torno da causa, elevando a auto-estima e o sentimento de
pertencimento de uma comunidade.

20) O desrespeito constante às leis, a debochada impunidade, a lentidão da
Justiça são, no conjunto, as melhores escolas de deseducação patrimonial e as
maiores incentivadoras da destruição, mutilação e perda total de nossos valores
patrimoniais que ainda existem em todo este Brasil .

21) O adjetivo “cultural”, ao invés de representar uma marca
homogeneizadora, é altamente diferenciadora de valores.

22) O museu tem de ser um espaço vivo, de reflexão, de questionamentos e
desfrute comunitário.

23) Há duas visões de patrimônio cultural: uma, essencialista, vê atributos
internos, imanentes, intrínsecos das coisas. Está presente no Decreto-lei nº 25/37.
Outra visão é aquela que considera patrimônio cultural aquilo que possui valor para
a sociedade. Essa perspectiva aparece no art. 216 da CF que trouxe a interação
social como a matriz da cultura.

24) O valor cultural não deverá ser avaliado apenas por critérios técnicos,
pois pressupõe um diálogo com a coletividade.

25) O uso do bem cultural há de ser compatível com a sua natureza.

26) A restauração integral do dano ao patrimônio cultural deve abarcar
valores materiais e extrapatrimoniais.

27) A indenização de danos materiais ao patrimônio cultural, ainda que
decorrente da perda total do bem, deve incorporar todos os custos de uma hipotética
restauração do mesmo.

28) A NBR 14653-7, recém editada pela ABNT, não abrange os danos
extrapatrimoniais.

29) As metodologias de valoração dos danos aos bens culturais materiais não
devem incorporar aspectos relacionados com a conduta do agente (se o dano se deu por
ação ou omissão; se o agente agiu com dolo ou culpa; se é reincidente ou se adotou
medidas para a minimização do dano), tendo em conta o regime da responsabilidade
civil objetiva aplicável aos danos ambientais.

30) Seria de grande valia provocar uma profunda discussão entre os técnicos
dos Ministérios Públicos Estaduais e do Federal com os integrantes dos órgãos
incumbidos da tutela do patrimônio cultural para o fim de estabelecer critérios mais
uniformes para quantificação econômica dos danos ao patrimônio cultural.

31) A inadequada proteção dos documentos arqueológicos do Morro da Queimada,
em Ouro Preto, é um dos casos mais graves de abandono do patrimônio cultural pelos
poderes públicos nas suas diversas esferas ao longo dos tempos.

32) A efetiva implantação do Parque Arqueológico do Morro da Queimada trará
um impacto positivo em Ouro Preto, dando origem a diversas ações de valorização do
seu patrimônio cultural e natural.

33) O patrimônio cultural deve ser contemplado nas políticas de criação,
gestão e manutenção das unidades de conservação.

34) As populações locais e do entorno das unidades de conservação devem ser
consideradas como fator importante para valorização desses espaços protegidos.

35) Os geoparks são importantes instrumentos de proteção e valorização do
patrimônio cultural, resguardando-se a memória da terra inscrita nos fósseis, rochas
e minerais.

36) A criação dos geoparks deve ser considerada importante fator de
desenvolvimento sustentável porque proporciona atividades de geração de renda e de
valorização da cultura das populações locais, por meio de turismo, artesanato e
outras atividades.

37) A noção de entorno justifica que se imponham servidões “non aedificandi”
ou limitações ao direito de construir não apenas adstritas ao critério da
visibilidade do bem tombado mas também em virtude da ambiência, perspectiva,
iluminação e coerência entre o bem e sua área envoltória.

38) A área de entorno também passa a ser protegida com o tombamento provisório.

39) A ideia de entorno pressupõe diálogo com o ambiente natural.

40) Impõe-se a criação de uma revista jurídica especializada em patrimônio
cultural .

41) Deve ser estimulada a criação de espaços de memória cultural nos
Ministérios Públicos e nos Tribunais.

42) Deve-se incentivar que os poderes públicos incorporem nos três níveis de
governo e nos três Poderes, políticas de preservação e gestão do patrimônio cultural
.

43) O meio ambiente não é mero somatório dos recursos ambientais naturais,
culturais e artificiais, sendo bem autônomo, inapropriável, de uso comum do povo.

44) O ecoturismo é aquele que usa de forma sustentável o patrimônio cultural
e natural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência
ambientalista, inserindo em suas atividades a população local.

45) O ecoturismo sustentável pode ser uma ótima alternativa a outras
atividades de maior impacto ambiental, contribuindo para a preservação do meio
ambiente.

46) O bem turístico é patrimônio cultural porque sobre ele recai uma
valoração humana.

47) Existe previsão constitucional implícita de um direito ao turismo como
consequência de um direito ao lazer (art. 225, III, combinado com o art. 6º da CF).

48) O ecoturismo deve pautar-se pela tolerabilidade, ou seja, deve ser
avaliada a capacidade de carga do empreendimento para absorver os impactos gerados
pela atividade .

49) As atividades turísticas sujeitam-se ao licenciamento ambiental,
consoante prevê a Resolução 237/97 do CONAMA, incidindo em relação a elas os
princípios da prevenção/precaução.

50) O Ministério Público tem dúplice papel em relação ao ecoturismo: atuar
na preservação e proteção do bem e na defesa do acesso de todos ao turismo como
derivado do direito ao lazer.

51) O art. 19 do DL 25/37 gera para o proprietário do bem tombado o dever
jurídico de preservá-lo, sendo a omissão penalmente relevante para os fins da
aplicação dos arts. 62 e 63 da Lei 9605/98.

52) No crime previsto no art. 62 da Lei 9605/98 existe a possibilidade de
configuração de dano culposo e de omissão culposa.

53) As medidas e ações previstas no CPC são todas admissíveis na tutela do
meio ambiente, seja pelo que consta no art. 19 da L. 7347/85 seja pelo que está
escrito no art. 90 do CDC, em repetição até desnecessária, mas enfática e
evidenciadora da intenção tutelar do legislador.

54) Não é necessária a comprovação do dolo para caracterização da
improbidade administrativa associada à lesão ao patrimônio cultural, bastando que
seja configurada a violação aos princípios reitores da Administração Pública, pela
ocorrência do prejuízo moral.

55) Na tutela do patrimônio cultural, o agente público deve pautar sua
atuação por qualidade técnica e eficiência, sob pena de caracterizar hipótese de
improbidade administrativa.

56) Os membros dos conselhos deliberativos envolvendo a proteção do
patrimônio cultural, mesmo não remunerados, estão sujeitos às sanções da Lei n.
8429/90, sempre que as suas decisões se desviarem da proteção do bem jurídico
tutelado.

57) O descumprimento de uma recomendação sobre a proteção do patrimônio
cultural caracteriza o dolo e reforça a configuração do ato de improbidade
administrativa.

58) Existe a possibilidade de configurar improbidade administrativa tanto
por lesão ao patrimônio cultural material, como por lesão ao patrimônio cultural
imaterial, exemplificando-se com a alteração ou criação de topônimo tradicional por
motivação populista ou homenagens a padrinhos políticos e partidários.

59) O patrimônio cultural constitui aspecto do meio ambiente, configurando
bem jurídico protegido diretamente pela seção IV da Lei 9605/98 de forma autônoma.

60) O titular do bem dotado de valor cultural ou do solo não edificável
poderá ser sujeito ativo dos tipos penais voltados à tutela do patrimônio cultural.

61) As peças sacras recuperadas transcendem o mero valor material-econômico
inerente ao bem, devido ao seu significativo valor para as comunidades.

62) A ausência de formação policial para enfrentamento dos crimes envolvendo
a subtração de bens culturais móveis tem facilitado a consumação desse tipo de crime
e a atuação de quadrilhas especializadas, dificultando o resgate desses bens.

63) É imprescindível a integração institucional dos vários agentes de
persecução dos crimes contra o meio ambiente cultural para possibilitar resultados
mais efetivos e identificação do modus operandi das quadrilhas com vistas à
prevenção.

64) Impõe-se a atualização permanente dos arquivos de bens culturais
procurados nos órgãos especializados para viabilizar a respectiva devolução.

65) As comunidades devem ser chamadas a colaborar no auxílio à atuação das
autoridades na identificação e recuperação dos bens culturais móveis.

66) Os locais que abrigam bens móveis de valor cultural devem ser dotados
de sistemas eficientes de segurança para dificultar a atuação das quadrilhas
especializadas no furto de tais objetos, bem como seus responsáveis treinados na
prevenção dessa criminalidade.

67) As autoridades incumbidas da repressão a crimes contra o patrimônio
cultural móvel devem focar suas ações especialmente nos receptadores e antiquários.

68) Devem ser traçadas estratégias para dificultar a compra e venda dos
bens culturais móveis no mercado clandestino.

69) É necessária a ampliação e divulgação de canais que possibilitem ao
cidadão denunciar o comércio e a existência de bens culturais móveis objetos de
crime.

70) Sempre que possível, impõe-se a devolução dos bens culturais apreendidos
aos seus locais de origem.

71) Deve-se aplicar aos crimes contra o patrimônio cultural cometidos em
nível internacional a Convenção de Palermo, incorporada no Brasil pelo Decreto
5.015/04, que Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional
72) É vontade de todos a realização do V Encontro do Ministério Público na
Defesa do Patrimônio Cultural.