Os estudos direcionados à realidade amazônica são maximizados com o Pacto Amazônico, considerando-se que os temas do Tratado refletem as necessidades mais imediatas da região, a exigir tratamento jurídico especializado: direito ecológico; direito agrário; direito indígena; direito minerário; direito da navegação (fluvial); direito do comércio exterior; e, direito comunitário. Dai a denominação direito amazônico. Interpretar e aplicar o direito de acordo com o contexto regional.

sábado, abril 18, 2009

Amazônia e federalismo

FEDERALISMO À BRASILEIRA E AMAZÔNIA
*Gursen De Miranda¹

O federalismo da cultura constitucional
brasileira, sob influência da cultura
constitucional norte-americana, mas
dessemelhante na formação, surgiu de Estado
Unitário, do período do Império, que se
transformou no Estado Federal, com a
República. Curiosamente, portanto, não
foram os Estados componentes que criaram a
Federação, o Estado Federal foi criado por
decreto. Seria o chamado “federalismo de
imitação”, na expressão de JORGE
MIRANDA², criado de “cima para baixo”.
Era o novo na República.
Os republicanos brasileiros, sob orientação
jurídica de RUY BARBOSA – a refletir na
primeira Constituição republicana -,
imitaram até a nomenclatura (Estados Unidos
do Brasil³), as Pronvíncias passaram a
Estados (Federados) e adquiriram autonomia
com governo responsável, mantidos o
liberalismo – da cultura constitucional
francesa - e a separação de poderes, conforme
MONTESQUIEU . Portanto, no Brasil,
existem organizações soberanas colocadas
em “posição de diferenciação (estado
membro de um estado federal) ”.
Na composição desse mosaico
federativo, todavia, torna-se oportuna a
compreensão da Amazônia na formação do
Estado brasileiro. Por ocasião da
Proclamação da Independência do Brasil a
América portuguesa era formada por dois
“Estados”: Brasil e Grão-Pará. Implica
Estados com terrítórios, histórias, culturas e
povos distintos. Assim permaneceu após a
Adesão do Pará à Independência, como
Província brasileira .
A centralização do Poder durante a
Monarquia, controlado pelos “paulistas”
(com marcante influência dos “coronéis”
de Pernambuco e Bahia), de certa forma,
acentuou as desigualdades existentes e o
fortalecimento cultural (igualmente
político e econômico) nas Províncias. A
conseqüência imediata foram os diversos
movimentos culturais e separatistas
deflagrados em várias partes do país,
destacadamente no decorrer da década de
1830.
No Pará eclodiu a Cabanagem ,
movimento em reação ao governo central,
espalhando-se pela região. O povo chegou
ao poder . A ação do governo foi
impiedoso: mais de trinta por cento da
população amazônica (índios e cabocos)
foi impiedosamene eliminada. A
conseqüência de Estado mais imediata foi
a divisão territorial do Grão-Pará, criandose
a Província do Amazônas – separar
p a r a c o n t r o l a r, t o r n a p r e s e n t e
MAQUIAVEL.
A diversidade cultural no Brasil,
todavia, continuou, sendo marcante com a
Amazônia, por sua origem (formação
histórica e delimitação territorial). É certo
que o governo central do Império, em
1850, organizou a Companhia de
Comércio e Navegação do Alto
Amazonas, destinada a estabelecer
comunicação e transporte para as cidades
amazônicas, promover o comércio e
colonizar a região, mas aí o interesse foi
pessoal do BARÃO DE MAUÁ.
O fato é que a Proclamação da
República ocorreu mais pela vontade de
descentralização do Poder, com o
federalismo, considerando-se a cultura
peculiar das Províncias, que pelo desprestígio
da monarquia .
À margem da República brasileira,
por sua vez, a Amazônia vivia o apogeu da
borracha e o “abrasileiramento” da região,
em decorrência da intensa migração de
nordestinos expulsos pela seca (1877) e/ou
movidos pela cobiça. Por ocasião da Segunda
Grande Guerra a Amazônia chamou
novamente a atenção para produção de
borracha, com objetivo específico de atender
aos interesses das Forças Aliadas. Foi a
chamada “Batalha da Borracha”, quando
foram convocados brasileiros, com amplas
promessas do governo federal e nova leva de
migrantes nordestinos para a Amazônia .
Eram os chamados “soldados da borracha” .
A região sentiu novamente a sensação de
riqueza. Com o fim da guerra tudo voltou
como antes...
O sonho dos grandes projetos na
Amazônia, como hidrelétricas, tem interesse
do Sudeste brasileiro ou de grupos
internacionais de mineração. O que fica para
Amazônia e seus habitantes (pessoas
humanas) são os buracos das jazidas, a
degradação ambiental e a desagregação
social em decorrência dos grandes canteiros
de obras.
Projetos de colonização instalados às
margens das rodovias, apenas desviaram o
eixo dos interesses das pessoas da Amazônia:
não é mais o rio, agora são as estradas.
Diferentemente dos amazônidas, os novos
migrantes têm interesses econômicos e estão
inseridos no projeto de desenvolvido. Mas o
amazônida típico continua às margens dos
rios, de onde vem seu alimento, contando as
lendas do boto no balançar de sua rede e
comendo sua farinha de arremesso...
__________
1 Juiz de Direito do Estado de Roraima. Professor da Universidade Federal de Roraima.
2 in JORGE MIRANDA. Manual de direito constitucional – estrutura constitucional do Estado, 5ª ed., rev. e actu., Coimbra (Portugal): Coimbra Editora, 2004, tomo III, p. 293.
O Brasil, mesmo com a Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional N° 1, de 1969, no período que medeia os anos de 1964 a 1985, teve um federalismo ap enas “nominal”, conforme JOSÉ AFONSO DA SILVA ( in
Curso de direito constitucional positivo, 6ª ed., rev. e amp., 2ª tir., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 88) ou de “mera fachada”, também na expressão de JORGE MIRANDA ( in Manual..., III, p. 295).
3 Em síntese de PEDRO CALMON, “o Estado brasileiro partiu da unidade imperial para a pluralidade federal” (in Curso de direito constitucional brasileiro, Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1937, p. 345).
4 in Do espírito das leis , Segunda Par te, capítulo VI, do Livro Décimo Primeiro. No capítulo IV, do mesmo livro, MONTESQUIEU antecipa: “para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das
coisas, o poder contenha o poder”. (in Do espírito das leis, São Paulo: Martin Claret, 2004, pp. 164 e 165). Obra publicada em 1748.
O princípio da separação dos poderes foi consagrado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 (artigo 16).
JOHN LOCKE, em publicação de 1690, capítulos VII e XI e seguintes, tratou da divisão de poder. ( in Segundo tratado sobre o governo , São Paulo: Martin Claret, 2006 , pp. 65 e 98 e ss.). JEAN -JACQUES ROUSSEAU,
em publicação de 1762, capítulo I, do livro III, abordou o tema, porém, de forma dessemelhante. (in Do contrato social, São Paulo: Martin Claret, 2007, p. 59).
Dessemelhante da concepção de BENJAMIN CONSTANT (moderador [real], executivo, legislativo, judiciário) recepcionada pela Constituição do Império ( in Escritos de política, São Paulo: Martins Fontes, 2005, p 204).
5 Na expressão de CANOTILHO. in Direito constitucional e teoria da Constituição, 7ª ed., 3ª reimp., Coimbra (Portugal): Almedina, 2003, p. 359.
6 Dia 7 de setembro de 1822.
7 Dia 15 de agosto de 1823.
8 A Constituição do Império brasileiro, de 1824, em parte era rígida e em parte era flexível.
9 Nos anos de 1835-1840.
10Único movimento no Brasil em que o povo assumiu o governo da Província.
11Lei do Império nº 582, de 5 de setembro de 1850.
12Dia 15 de novembro de 1889.
Certamente, considerando os dois Estados portugueses n a América, unidos com a Independência do Brasil, tenham os positivistas brasileiros concebido a abobada celeste da bandeira nancional, cortada por faixa
branca com o lema inserto “Ordem e Progresso”, registrado o verdadeiro federalismo brasileiro, formado pelos dois Estados. Acima da faixa branca (uma estrela – a parte mais ao Norte) o Estado do Grão -Pará e abaixo
(demais estrelas) o Estado do Brasil.
13Na primeira Constituição da República, de 1891, foi inserido artigo obrigando o magistrado a submeter seu julgamento e as leis a nova Constituição e aos princípios republicanos.
14in BENCHIMOL, Samuel.
15Após a “Batalha”, com o fim da guerra, os “soldados da borracha” seriam levados à sua terra natal, reconhecidos como heróis, com aposentadoria equiparada à d os militares. Nada foi cumprido. A Constituição
brasileira, de 1988, no artigo 54, dos ADCT, trata do assunto.
16Estavam nos seringais uns 35 mil trabalhadores, mas a operação exigia pelos menos uns 100 mil. Calcula -se que somente do Ceará foram mais de 12 0 mil homens. Estima -se que mais da metade dos migrantes
morreram pelo caminho: fome, doenças tropicais (malária, febre amarela, hepatite), atacados por animais.
17Foi criado, em 1943, o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (SEM TA), com sede em Fortaleza (CE), no Nordeste do Brasil, como estratégia visando enfretar a seca devastadora na
região. O governo brasileiro, para cumprir o acordo da “Batalha da Borracha”, também criou a Superintendência para o Abastecimento do Vale da Ama zônia (SAVA), o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), o
Serviço de Navegação da Amazônia e de Administração do Porto do Pará (SNAPP) e o Banco de Crédito da Borracha (em 1950, passou a Banco de Crédito da Amazônia, atualmente Banco da Amazônia - BASA).