Os estudos direcionados à realidade amazônica são maximizados com o Pacto Amazônico, considerando-se que os temas do Tratado refletem as necessidades mais imediatas da região, a exigir tratamento jurídico especializado: direito ecológico; direito agrário; direito indígena; direito minerário; direito da navegação (fluvial); direito do comércio exterior; e, direito comunitário. Dai a denominação direito amazônico. Interpretar e aplicar o direito de acordo com o contexto regional.

sexta-feira, agosto 28, 2009

Cultural

Diversidade cultural e Amazônia - II

Diversidade cultural e Amazônia - II
Cultura: para além de diversa, plural

Gursen De Miranda *

A compreensão da diversidade cultural passa pela linha do pluralismo cultural: várias culturas; diversas culturas; diferentes culturas. No pluralismo cultural admite-se a diversidade cultural, onde as diferentes identidades culturais têm o mesmo nível e os mesmos direitos. Pluralismo cultural é a nova forma do universalismo, um universalismo sem uniformidade, conforme expressão de Emilio Lamo de ESPINOSA, (Fronteras culturales, p. 19).

O pluralismo cultural, por sua vez, exige compreensão sob dois enfoques:

(1°) multiculturalismo; e,

(2°) interculturalismo.

O sentido e o alcance das expressões vão muito além dos prefixos multi (do latim multu, no sentido de muito, muitas vezes) e inter (do latim, no sentido de intermédia).

O multiculturalismo pressupõe a existência de multiplicidade de culturas e de identidades culturais e, em segundo momento, o reconhecimento das diversas culturas e das diversas identidades. É um fato que se traduz na coexistência de várias culturas numa próximidade física e humana, formando verdadeiro mosaico cultural, mas sem a necessária interação e sem possibilidade de mestiçagem, em face de possíveis estruturações herméticas, tendencialmente excludentes. Na coexistência entre os diversos grupos sociais, os grupos sociais minoritários tendem a constituir-se em verdadeiros guetos, como é o caso dos mulçumanos em Londres (Inglaterra). Na Amazônia a delimitação de imensas área indígenas poderia ser citada como exemplo de formação de guetos, a levar a verdadeira segregação, se não houver um amplo projeto visando a participação desse grupo social no processo de globalização democrática.

Em concepção diversa, a UNESCO traz, inserta na Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (CPPDEC: art. 4° n° 8), o sentido de interculturalidade, onde estariam presentes três elementos, para sua caracterização:

(a) presença e interação equitativa de diversas culturas;

(b) possibilidade de gerar expressões culturais compartilhadas (adquiridas por meio do diálogo); e,

(c) atitude de respeito mútuo.

Nesse paso, um dos objetivos da referida Convenção (CPPDEC: art. 1°, alínea d.) é fomentar a interculturalidade e desenvolver a interação cultural, no sentido de construir pontes entre os povos. A interação faz a diferença no interculturalismo, como elemento fundamental no desenvolvimento dos povos, por meio do diálogo intercultural, onde a linguagem exerce papel preponderante.

A recepção pelas Constituições desses institutos - diversidade cultural, destacadamente o interculturalismo -, por certo, constitui-se em desafio ao moderno constitucionalismo, a seguir a linha de pensamento de James TULLY (Strange multiplicity – constitutionalism in an age of diversity, p. 116 e ss.).

Aliás, o reconhecimento de identidade cultural, num determinado Estado, impõe o constitucionalismo intercultural, segundo J. J. Gomes CANOTILHO (Direito constitucional..., p. 1450), ou seja, o constitucionalismo que recepciona o diálogo entre as diversas culturas existentes no campo social desse mesmo Estado, o chamado constitucionalismo pluralista.

O Brasil constitui-se em uma sociedade pluralista reconhecida em nível jurídico, conforme o preâmbulo da Constituição Federal de 1988. O pluralismo cultural esta previsto, a teor de norma constitucional expressa no §1º, do artigo 215, considerando que o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional, ou seja, há o reconhecimento, em nível constitucional, de pluralidade de culturas na formação da cultura nacional brasileira.

Com esses fenômenos culturais (diversidade cultural, pluralismo cultural, multiculturalismo, interculturalismo), por certo, a identidade cultural da Amazônia deve ser fortalecida e protegida, em face da globalização, para garantia do desenvolvimento da personalidade, da cidadania e da dignidade do “ser amazônico”.

* Identidade cultural da Amazônia como direito fundamental é o tema da tese de doutoramento na área de Ciências Jurídico-Políticas registrada pelo Autor na Universidade Clássica de Lisboa.

(Fonte: Jornal Folha de Boa Vista, de 28 de agosto de 2009).